segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Juscelino Brasiliano Roque, empresário e atual provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina

Seu nome é uma homenagem a um ilustre diamantinense e sua maior obra: Juscelino e Brasília. De família simples e humilde, filho mais velho entre os sete irmão, começou a trabalhar bem cedo em busca de melhores condições de vida para a sua família. Nas mais variadas funções e empregos, aprendeu os segredos do comércio e tornou-se empresário de destaque na cidade. Foi presidente  da Associação Comercial e Industrial de Diamantina e atualmente é o provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina.

Demonstrando uma preocupação com as causas sociais e sensível à cultura, Juscelino Roque  conta um pouco de sua trajetória, fala sobre os desafios de gerenciar as importantes mudanças na Santa Casa de Diamantina e nos faz refletir sobre as dificuldades e perspectivas para o desenvolvimento de Diamantina.

 

Passadiço Virtual: Juscelino, por favor, conte-nos um pouco de sua trajetória de vida, formação e atuação profissional. (Pretendo usar essa parte para fazer uma apresentação do entrevistado).

imageJuscelino: Nasci em Diamantina no dia 21 de abril de 1960, mais velho de sete irmãos. Filho de Antônio Roque Sobrinho, funcionário público, seresteiro, violonista, e Etelvina Vita Roque, do lar. Desde menino já assumi o papel de ajudar meus pais na formação, criação e sustento da família. Era impressionante, todo ano a fila crescia, era mais um irmão chegando.

As dificuldades eram imensas, pois funcionário público dificilmente podia confiar numa data segura para receber um salário que já era insuficiente. O que ajudava bastante era o quebra galho de serviço de bombeiro hidráulico do meu pai e eu de ajudante. Quando sobrava tempo, eu era engraxate, vendedor de picolé, de esterco, às vezes também jardineiro e ainda fazia cobrança de consulta médica para o Dr. Giovanni Pereira. Minha mãe, muito religiosa, em meio a todas as dificuldades, conduzia nossa criação sempre rezando e pedindo a Deus para a vida melhorar. Ela nos dizia sempre: Paciência, fé em Deus e disciplina!

Meu avô, Ernesto Roque dos Santos, seresteiro e amigo de Juscelino Kubitschek, quando eu nasci, resolveu fazer uma homenagem ao presidente da República, que estava naquele dia inaugurando a capital federal. Nasci junto com Brasília. O nome Juscelino foi uma homenagem ao presidente e Brasiliano em homenagem a Brasília. Ainda me lembro do meu avô sempre falando comigo que temos um erro histórico no Brasil com relação à nossa nacionalidade: Quem nasce no Brasil deveria ser brasiliano e não brasileiro. Brasiliano, da mesma forma que americano, pois brasileiro, dizia ele, estava mais para nome de profissão, da mesma forma que pedreiro, carpinteiro e outros mais.

Cresci percebendo bem de perto a cultura da dança, da música e da serenata, mas convivi mesmo foi com o trabalho, pois era através dele que matava um pouco do nosso sofrimento, pois nos faltava quase tudo, menos a fé e a esperança. Minha mãe, quase sempre com a saúde debilitada. Por isso, de tempos em tempos, acabei sendo enfermeiro, cozinheiro e tudo o mais. Meu pai, demasiadamente austero, não aceitava falhas. Aprendi desde cedo que para sobreviver teria que enfrentar com firmeza todos os desafios do cotidiano.

Estudei no Grupo Júlia Kubitschek, Escola Normal e depois no Colégio Diamantinense, onde me formei em Contabilidade. Convivi com professores excepcionais. Cheguei a iniciar o curso de Letras na Faculdade de Filosofia, mas não tive condições financeiras para continuar. No entanto sempre participei, e continuo participando, de outros tantos cursos, que acrescentaram muito para a minha formação profissional. Tive oportunidade do meu primeiro emprego na loja do Sr. Leandro Costa, D. Lígia Dayrell e Sr. Moacir Guerra, foi onde comecei a minha melhor formação comercial. Depois, fui vendedor de jóias durante um bom tempo. Viajava para o norte e nordeste do país, onde graças a Deus, aprendi a enxergar o mundo de forma mais ampla, devendo também essa oportunidade ao saudoso Senhor Tôra Pires.

Mas o que me influenciou comercialmente foi o meu primeiro emprego, daí, com muito trabalho e disciplina, iniciei meu comércio de veículos, que é o meu ramo de negócios até hoje. Atualmente a administração está a cargo do meu filho Fabrício. Casei-me, tenho três filhos e um neto. Mesmo hoje, continuo sendo responsável, de alguma forma, em guiar a família.

 

Passadiço Virtual: como atual provedor da Santa Casa de Caridade de Diamantina, como você avalia a saúde desta “senhora” que acaba de completar 222 anos de grandes serviços prestados á comunidade? Qual o futuro da Santa Casa? Que mudanças e investimentos estão sendo feitos durante sua gestão?

Juscelino: Com relação à Santa Casa de Caridade, posso lhe afirmar que esta “senhora” é Santa e Caridosa, é digna de todo o nosso louvor. Esta instituição, fundada em 1790, tem uma história extraordinária de serviços prestados ao ser humano, é um verdadeiro patrimônio da saúde no Vale do Jequitinhonha e que, com certeza, só chegou neste patamar com o trabalho de todos os seus ex-provedores, diretores, profissionais da saúde, funcionários, voluntários e colaboradores.

A todo o momento ela vem se preparando para os desafios e as exigências do dia a dia. Tem-se mostrado saudável e equilibrada, com o olhar voltado para o futuro principalmente. Hoje a Santa Casa é a maior empresa privada filantrópica do Vale do Jequitinhonha, com mais de 300 funcionários qualificados. Portanto, torna-se um imenso desafio conduzi-la de forma digna para o cumprimento de sua missão, impedindo os assédios temporários das facções partidárias, que por vezes somente trazem o caos e o atraso em todo o processo de desenvolvimento da Santa Casa.

Quanto à segunda parte da sua pergunta, que se refere mais especificamente à minha gestão, prefiro falar sem nomear, para não valorizar apenas o que está acontecendo momentaneamente, pois muitas coisas que hoje se tornaram realidade são consequências naturais do empenho de outros provedores e diretorias que me antecederam. Tenho que reconhecer que essa situação foi uma ferramenta importantíssima para o sucesso desta atual gestão, onde, certamente, estou cumprindo minha missão também. Ouso inclusive citar o nome do Dr. José Aristeu de Andrade, que tem sido para mim um espelho maravilhoso. Mas, a título de informação, posso citar algumas ações que, no meu entendimento, estão consolidando Diamantina como referencial macro da saúde no estado de Minas Gerais:

  • Duplicação do CTI, para 20 leitos; (Convênio com o governo do Estado de Minas Gerais);
  • Criação do GGA – Grupo Gestor Administrativo da Santa Casa, com o objetivo de dar mais mobilidade, agilidade e dinamismo na gestão da instituição;
  • Conquista do credenciamento da alta complexidade para neurocirurgia;
  • Contratação da IAG, uma empresa de acreditação hospitalar, com o objetivo do aperfeiçoamento constante dos vários setores da Casa;
  • Implantação de um organograma de setorização da Casa;
  • Implantação de exame seletivo para o preenchimento de vagas no quadro funcional, tirando a possibilidade de interferências políticas partidárias e valorizando a capacidade de cada concorrente;
  • Sistema de ouvidoria permanente;
  • Valorização do programa do governo do estado de Minas, Prohosp, buscando equipar a Casa no seu parque tecnológico;
  • Parceria com a empresa Axial, que resultou na instalação da ressonância magnética;
  • Convênio já assinado com a Reitoria da UFVJM para transformação da Casa em Hospital de Ensino;
  • Convênio, com a participação da reitoria da UFVJM, já assinado com o estado de Minas Gerais no valor de R$ 7.000.000,00 (sete milhões de reais) visando ajudar na adequação da Casa para receber o curso de Medicina e estágios em áreas afins. Isso irá resultar num impacto imenso na área física da Santa Casa, com melhoria do seu parque tecnológico, duplicação da hemodiálise e aumento do seu número de leitos;
  • Restauração do prédio do primeiro hospício de Minas, que estava em ruínas;
  • Já iniciamos o processo de implantação da hemodinâmica, que será uma realidade muito em breve, pois todo o maquinário já se encontra dentro da Santa Casa. Um avanço muito grande para o Vale do Jequitinhonha, pois a Santa Casa estará habilitada a executar intervenções cardíacas;
  • Já estamos em estágio avançado de negociação com uma empresa para implantação de uma clínica oncológica, que beneficiará muito o Vale do Jequitinhonha com o tratamento de câncer;
  • Por fim, temos vários projetos em andamento com o poder público, municipal, estadual e federal.

Com essas realizações, a Santa Casa vem-se despontando, até porque estou tendo o privilégio de contar com uma diretoria competente, médicos e funcionários capacitados para exercer com profissionalismo e empenho suas funções, em sintonia com a missão de nossa instituição.

 

Passadiço Virtual: quais são os grandes desafios e as perspectivas da Santa Casa de Caridade diante da previsão de implantação do Curso de Medicina da UFVJM?

Juscelino: Já prevendo as dificuldades, principalmente para a residência médica dentro da instituição, tivemos que fazer várias adaptações no Estatuto, uma das principais foi a participação de membros da UFVJM no Grupo Gestor, o que já está proporcionando grandes conquistas e avanços para a saúde do vale. Outro grande desafio é a adequação do espaço físico, já que estamos falando de uma “senhora” de 222 anos que, para sobreviver, não poderá fugir do processo de modernização em vigor. Novos complexos terão que ser construídos, outros, por sua vez, passarão por dificuldades para serem reformados, visto que sua estrutura ainda mantém o sistema original de pau à pique.

O sucesso de uma instituição depende, dente outros fatores, de um bom relacionamento interno de seus variados setores. Nesse sentido, é imprescindível que se mantenha uma relação profícua e de excelente convívio entre a parte de ensino da Universidade e a parte funcional do dia a dia da Santa Casa. Paralelo a isso, haverá também o desafio de não se desviar o foco da missão caritativa e filantrópica que regeu a Santa Casa por mais de dois séculos. Penso que o caminho é se usar o assistencial como elemento incentivador do ensino, já que o que se propõe como perfil para o curso de Medicina em Diamantina é a valorização da atenção básica à saúde.

 

Passadiço Virtual: no período de 2001 a 2005 você foi presidente da Associação Comercial e Industrial de Diamantina (ACID) e também é um empresário de destaque na cidade. Com sua experiência e conhecimento, como você vê o atual estágio de desenvolvimento econômico da cidade? Estamos no rumo certo de desenvolvimento?

Juscelino: Tive a grata satisfação de frequentar a “escola” da ACID, que me projetou para assumir a vice-presidência da FEDERAMINAS como cargo acumulado. Na gestão da ACID, tive também a oportunidade de contar com uma diretoria formidável, voltada para os interesses maiores do nosso comércio, preocupada com os destinos de nossa querida Diamantina. Firmamos grandes parcerias, desenvolvemos um trabalho focado na interação das várias instituições da cidade. Experimentamos grandes resultados, como:

  • promoção de cursos, palestras, encontros e seminários;
  • implantação do sistema de vigilância eletrônica no centro histórico, em parceria com o poder público municipal, empresários locais e o 3º Batalhão da Polícia Militar;
  • mudança da estrutura do carnaval no centro histórico, em parceria com o poder público;
  • participação dos diretores nas comissões organizadas em diversos setores de nossa comunidade;
  • ajudamos a organizar as grandes cavalgadas que projetaram Diamantina no cenário nacional (Diamantina – Porto Seguro, Brasília – Diamantina e Diamantina – Parati);
  • modernizamos o perfil do prédio para melhor atender aos nossos associados;
  • mantivemos uma excelente parceria com o SEBRAE, o SENAC, o poder público diamantinense e outros, por meio das quais realizamos inúmeras ações que contribuíram de forma eficaz para a capacitação e o desenvolvimento do comércio local. A consequência direta disso foi a implantação do SENAC na cidade.

Temos que reconhecer que a ACID é uma das grandes ferramentas para o desenvolvimento local, no entanto existe a necessidade de uma interação maior dos vários setores da nossa organização social, para que o resultado geral seja satisfatório. Há muitos anos acompanho o desenvolvimento econômico da cidade. Percebo que existem iniciativas boas, mas muitas vezes isoladas, outras vezes direcionadas por vaidades momentâneas, outras vezes amadoras, sem um foco coletivo capaz de alavancar os mais variados setores de forma mais vigorosa. Portanto, vejo que falta um ordenamento de nossas ações, e falta a construção de planejamentos, para melhor aproveitamento do imenso potencial econômico, histórico e cultural que a cidade tem. Acho que há uma necessidade urgente de um debate amplo, para identificarmos aonde queremos realmente chegar.

 

Passadiço Virtual: diferentemente de grande parte dos empresários, você mostra uma preocupação e um envolvimento muito grande em ações sociais e de voluntariado. Por isso, alguns falam que você tem pretensões político-partidárias. Como você encara essa situação. Conte-nos um pouco dessas ações sociais?

Juscelino: Tenho 52 anos de idade, dos quais, mais de 30 de dedicação à área social, aprendi isso desde muito jovem, no seio de minha família. Acho importante, como ser humano, devolver um pouco da providência com que Deus me abençoou, à nossa comunidade, visando à melhoria de vida de todos nós. Muitas vezes me afasto de forma até perigosa de minha empresa, chegando a ser chamado atenção por minha família e alguns amigos. Tenho consciência de que estou fazendo a minha parte, dentro das minhas limitações, mas tenho a certeza também de que isso só me faz crescer, pois venho aprendendo bastante, pois é muito saudável o trabalho na área social.

Sempre me envolvi nas questões sociais, contribuindo com ações objetivas, sem maiores pretensões. Por exemplo, participei durante vinte anos, desde muito jovem, da Sopa de São Francisco para os pobres, junto com o Sr. José Paulo da Cruz e D. Edith. Dentre tantas outras ações, nos últimos tempos, fui presidente e um dos fundadores da APAC – Associação de Proteção e Assistência ao Condenado. Quando me afastei da APAC, tive o cuidado de entregá-la devidamente registrada e com um terreno de 5 hectares, doado por um detento, para construção de sua futura sede. Hoje respondo também como presidente do Conselho da Comunidade da Comarca de Diamantina, que é instituído por lei, para ajudar na execução e na fiscalização da pena. Tenho a grata satisfação de trabalhar nesse Conselho com pessoas de extremo valor humano na cidade, como por exemplo, a Dona Nina. Como se vê, envolver com as ações sociais, sempre foi uma rotina na minha vida.

Justamente talvez por essas ações, já por algum tempo, toda época de eleição meu nome é lembrado, o que me deixa até honrado. Mas, diante do contexto político partidário diamantinense, não consegui ainda fechar uma decisão sobre essa questão. Discordo muito da forma como as coisas se desenrolam, acho que prevalece um imediatismo grande, quase sempre falta planejamento e ouso até dizer que falta inclusive responsabilidade em muitos casos. Pelos discursos, a gente percebe que no geral prega-se uma ilusão imensa de quatro em quatro anos. É preciso lembrar e amar Diamantina durante todos os dias.

Portanto, no momento, prefiro continuar trabalhando com o social.

 

Passadiço Virtual: o projeto de restauração do prédio do “hospício da Diamantina” é certamente uma das mais importantes obras em realização na cidade. Parece-me que algumas tentativas foram feitas anteriormente, mas não deram certo. Por que o projeto atual está conseguindo concretizar esta recuperação? Quais são as grandes dificuldades para viabilizar esse projeto? Como a sociedade pode colaborar com esta iniciativa? Vocês já têm uma definição do futuro desse prédio?

 

imageJuscelino: Quanto à restauração do prédio do hospício, que bom que você está sensível em relação à importância da recuperação deste patrimônio, que até pouco tempo, não fazia parte do acervo paisagístico de Diamantina, estava esquecido como monumento. Por exemplo, não se via o prédio do hospício em fotos da cidade. Diamantina vai, a partir de agora, incorporá-lo de fato em seu conjunto arquitetônico.

Realmente houve outras tentativas de restauração do prédio, diga-se de passagem, todas com a mesma intenção que nos absorve agora. Ao analisá-las, procurei entender porque não haviam vingado, apesar de todo esforço das pessoas envolvidas. Estando o prédio em ruínas, na iminência de desabar, decidi, juntamente com o Grupo Gestor da Santa Casa, que deveríamos definir um estratégia urgente, que garantisse a sua sobrevivência. Optamos por um caminho não convencional, já que eu me sentia com habilidade na área de construção e restauração para conduzir essa empreitada, pois muitos entendidos desse segmento chegaram a afirmar que seria impossível e uma loucura tentar recuperá-lo.

Não deixou de ser uma loucura, pois juntei uma turma que já trabalhava comigo em obras de minha propriedade e lancei para eles o desafio. Anteriormente, alguns já haviam trabalhado comigo na empreitada que conduzi para restauração daquele antigo muro de adobe que estava, durante anos, declinando sobre o passeio, ameaçando desabar sobre os pedestres. Contei a história e a importância do prédio do hospício, fundado em 1891, e isso foi um grande motivador para que os trabalhadores abraçassem a causa. Alguns até falaram que havia histórias tenebrosas sobre o prédio, como espíritos, doenças e outros fantasmas do imaginário. No princípio, ainda teve caso de trabalhador que abandonou o serviço, dizendo que não trabalharia ali por dinheiro algum, exatamente por essas crenças.

imageJuntamente a essas atitudes, decidi que não faria um projeto arquitetônico como das outras vezes, pois não haveria tempo hábil, antes do período chuvoso. Seria o fim. Mas para justificar a restauração do prédio e sensibilizar a comunidade, recorri ao meu amigo Wander Conceição e encomendei a ele um projeto histórico-cultural que identificasse a sua importância. Resolvemos fazer a restauração do prédio do hospício seguindo o mesmo caminho escolhido para sua construção, que teve início em 1888, pelo comendador Brant, então provedor. Utilizamos um pequeno recurso financeiro da Santa Casa e recorremos à comunidade através de uma campanha de doações.

Agora, com certeza, a grande dificuldade que sempre nos perseguiu continua sendo a falta de recursos financeiros. A campanha de doações continua aberta, e essa é a maneira que a comunidade pode nos ajudar. Quero até aproveitar esse espaço, que você está me oferecendo no Passadiço Virtual, para reforçar nosso pedido de ajuda, enumerando as contas abertas para esse fim, registrando ainda que emitimos um boletim mensal com todas as informações que envolvem a restauração:

 

 

  • Banco do Brasil Ag. 0344-1 c/c 111.222-8
  • Bradesco Ag. 1861-9 c/c 5.841-6
  • Caixa Federal Ag. 0112 c/c 780-7 op. 03
  • Banco Itaú Ag. 3088 c/c 00614-7
  • [LOUCURA É NÃO AJUDAR]

Quanto ao uso do prédio, já está definido, passaremos para aquele local a sede administrativa da Santa Casa. Onde funciona atualmente a administração, o espaço será cedido para a Residência Médica da Faculdade de Medicina da UFVJM.

(Clique aqui para acessar o documento do Projeto de Restauração do Hospício de Diamantina)

 

Passadiço Virtual: que propostas você gostaria de ouvir de nossos candidatos a prefeito e vereador nestas eleições? Como cidadão e empresário, o que você espera do próximo prefeito e da câmara de vereadores que será eleita?

Juscelino: Gostaria de ouvir propostas que fossem coerentes com seus referidos cargos, que de fato fossem reais e pudessem ser colocadas em prática, sempre identificadas com a importância de uma cidade singular, que conquistou o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. E para que isso prevaleça é muito necessário que as vaidades não sejam o principal elemento condutor do processo político. Inclusive, dentro desse espírito, da mesma forma que fiz quando estava à frente da Associação Comercial, já convidei os candidatos a virem à Santa Casa para que eles tenham a oportunidade de divulgarem suas propostas para a área da saúde, principalmente em relação aos nossos projetos e nossas propostas de crescimento.

Espero que, tanto o prefeito quanto os vereadores eleitos, tenham a percepção da imensa responsabilidade que os cargos exigem, pois a cidade dependerá de suas atitudes e ações para alcançar o processo de desenvolvimento qualitativo e equilibrado que os cidadãos merecem. Há um conceito errado já de muitos anos, pois é de praxe se perguntar o que as instituições podem fazer para ajudar o candidato a se eleger. Penso que deve prevalecer o inverso: O que os candidatos, se eleitos, podem fazer pela Santa Casa?

 

Passadiço Virtual: percebo que você tem apoiado algumas manifestações artísticas e culturais de Diamantina. Como você vê o patrimônio cultural e artístico de Diamantina? Em sua opinião, como ele vem sendo percebido e apropriado pelas pessoas e pela sociedade de uma forma geral?

Juscelino: Na medida do possível, sempre apoio algumas ações culturais sim, já que acredito piamente que a cultura, o turismo e a educação deveriam ser o tripé de sustentação do nosso desenvolvimento.

Com relação ao nosso patrimônio cultural e artístico, vejo que Diamantina não foi escolhida cidade patrimônio do mundo apenas pela singularidade de seu conjunto arquitetônico, mas, principalmente, pelos seus valores humanos que conseguiram se desenvolver com magnitude, cultura e arte ímpar, num lugar distante dos centros mais evoluídos.

Sobre a percepção do título pelas pessoas, acho que precisamos promover um profundo debate e eleger, logicamente, o nosso passado como espelho para mudar essa visão míope, essa pouca percepção da importância de nosso título patrimonial e o porquê da necessidade de sua manutenção. Penso que várias das ações tomadas até hoje contemplam apenas o imediatismo e a satisfação ilusória e pequena do ganho financeiro fácil, comprometendo assim todo o sistema de desenvolvimento da cidade, como também, contribuindo para a perda de nossa identidade. Se não conhecermos quem somos, como iremos saber aonde vamos chegar?

 

Passadiço Virtual: agradeço profundamente a sua generosa contribuição com o Passadiço Virtual. Registro aqui meus parabéns pelo trabalho desenvolvido e deixo o espaço para suas considerações finais.

Juscelino: Já vejo a Universidade, através de seus agentes das mais diversas áreas, influenciando positivamente o destino de Diamantina, e isso é irreversível. Essa sua iniciativa de produzir o Passadiço Virtual está contribuindo, com certeza, para diminuir o distanciamento entre as informações. Quero deixar registrado que continuarei desenvolvendo meu trabalho social, apesar de ainda existir preconceito e desconfiança contra quem trabalha nessa área. Vejo esse tipo de trabalho como uma missão, pois acredito que Deus me colocou aqui não somente para passar de passagem pela vida, mas para contribuir com a existência humana. Além de me sentir feliz, por estar sendo útil à sociedade de alguma forma, penso que esta é uma maneira de tentar contaminar outras pessoas para terem a coragem de sair de sua zona de conforto. Agradeço imensamente pela oportunidade que me foi aberta e estarei sempre pronto a atendê-lo dentro das minhas limitações! Obrigado!

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Wander Conceição, músico, pesquisador e escritor.

Dando continudade ao projeto de debater e trocar ideias sobre Diamantina por meio de entrevistas, o Passadiço Virtual tem a honra de publicar a contribuição do músico e escritor Wander Conceição.
Natural de Diamantina, Wander sempre esteve envolvido no universo cultural da cidade. Conviveu com grandes músicos e seresteiros, participou de importantes movimentos culturais e pesquisou sobre a Vesperata. Seu livro “ La Mezza Notte”, escrito em parceria com Antônio Carlos Fernandes (Toninho), é uma referência muito importante para enteder a musicalidade diamantinense.
Na entrevista Wander fala sobre cultura, política, patrimônio, música, Vesperata, Beco do Motta e também sobre a sua pesquisa em desenvolvimento que aborda a passagem de João Gilberto por Diamantina.
Enfim, uma aula imperdível de um grande mestre em diamantinidade.


Passadiço Virtual: Wander, por favor, fale-nos um pouco de sua trajetória de vida, formação e atuação profissional.

 

Wander: Sou filho de uma família muito simples de Diamantina. Meu pai, operário da Fábrica de Tecidos, onde trabalhou até se aposentar; minha mãe, professora primária. Tivemos uma vida de muitas dificuldades e de muita luta, pois além do orçamento familiar estreito, éramos sete filhos, com dois casos de anemia falciforme em duas irmãs que já faleceram.

As coisas aconteceram em minha vida com imponderáveis para os quais não tenho a devida explicação, não havia como fazer muitas escolhas. De minha mãe herdei a determinação que carrego comigo, e, por sua influência e esforço, tomei gosto pelo estudo. Percebo que, do meu pai, herdei a praticidade e parte de sua inteligência matemática intuitiva. Assim, comecei a me destacar como bom aluno desde os tempos do primário, no Grupo Júlia Kubitschek.

Cursando o ginasial, no Colégio Tiradentes, fui escolhido entre os melhores alunos para prestar a seleção para um estágio na condição de “Menor Aprendiz de Serviços Gerais” no Banco do Brasil. Consegui uma das vagas e dessa forma, trabalhando, pude custear meus estudos no curso científico do Colégio Diamantinense, concluído em 1978, ano em que acumulei também os serviços do Tiro de Guerra.

Ao terminar o científico, tentei o vestibular para Engenharia na UFMG e perdi, na primeira etapa, por 4 pontos. Logo no início do ano seguinte, prestei o concurso para os quadros do Banco do Brasil e consegui me ingressar naquela instituição como funcionário efetivo, situação que tive de agarrar com unhas e dentes, em razão da situação econômica estreita de minha família.

Dessa feita, pude custear meus estudos na antiga Faculdade de Filosofia e Letras, onde me graduei em Língua Portuguesa. A partir daí, passei a ler com mais freqüência. Não fiz pós-graduação, considerando que naquela época nem monografia de final de curso era exigida. Logo que me formei, lecionei apenas dois anos, mas optei por continuar minha carreira de bancário.

Deixei a carreira bancária em 1995, quando decidi aderir ao primeiro PDV – Plano de Demissão Voluntária. Morava nessa época em Belo Horizonte. Voltei para Diamantina em 2000, quando iniciei meu trabalho de pesquisa da historiografia local, no qual estou debruçado até os dias atuais. Em síntese, é isso!

 

Passadiço Virtual: Você tem uma forte relação com a história, a cultura e a música de Diamantina. Esteve envolvido diretamente em interessantes movimentos e manifestações culturais da cidade, tais como o “Projeto Arte no Beco”, o “Grupo de Incentivo ao Escritor Diamantinense”, mais recentemente o show “Jobiniando” e outros. Como essa relação foi construída? Você poderia falar um pouco sobre essas experiências? Quais os frutos e perspectivas desses movimentos?

Wander: Avalio que o começo de tudo está realmente na música. Convivi muito com meu avô materno, que pertencia à Banda de Música do 3º Batalhão, de quem talvez tenha herdado um pouco de sua musicalidade. A família de meu pai também sempre foi muito festiva e cantante. Eu gostava de dormir escutando as rádios do Rio de Janeiro e, por essa razão, aprendi um repertório vastíssimo de sambas.

Logo que me tornei funcionário efetivo do Banco do Brasil, já podia pagar minha cerveja, então comecei freqüentar o Bar Chafariz, onde os seresteiros da “velha guarda” tocavam todas as noites. Eu já tocava um pouquinho de violão, pois tinha uma vontade imensa de me acompanhar cantando sambas. Os seresteiros eram muito sistemáticos com a questão musical, mas vários dentre eles, como Boanerges Meira, Raimundo Proença e Paulo Messias, tinham sido contemporâneos do meu avô na Banda de Música do 3º Batalhão, então aceitaram minha companhia com satisfação, por ser neto do antigo amigo e companheiro, já falecido. Interessante que no princípio eles afinavam o violão para mim e não brigavam comigo quando eu errava o acorde. O Expedito Silvério da Silva, até hoje, o tenho como um verdadeiro pai.

Ao ser aceito naquele meio, adquiri confiança e comecei cantar também. Como eu cantava relativamente bem, fui adotado por todo o grupo de seresteiros rapidamente. Recebi influência de diversos violonistas, que não cabe aqui citá-los, mas que foram amigos marcantes na minha vida. Contudo, quando achei que já estava tocando violão bem, apareceram dois amigos maravilhosos, que mudaram o rumo das coisas: José de Jesus Melo, o grande “mestre Gaguinho” e Luciano Francisco Guedes, irmão caçula de Wanderlei Guedes.

Esses dois músicos faziam uma harmonia sensacional, pois acompanhavam com posições dissonantes, como eu nunca havia visto antes, e aí percebi que realmente eu não tocava patavina de violão. No embalo da música tocada pelos dois, fui apresentado a Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Francis Hime, Paulo César Pinheiro, Eduardo Gudin etc. Descortinou-se nesse instante para mim o mundo da poesia, a grande poesia que dá um sentido diferenciado à vida.

Convivendo nesse ambiente na noite, terminei por desenvolver uma amizade vigorosa com Antônio Rodrigues Filho, conhecido como “Tunicão”, um homem exemplar, trompetista maravilhoso, músico de altíssima competência! Ele gostava de minha voz e me introduziu como cantor nos grandes bailes realizados em Diamantina naquele tempo.

Por esse conjunto de coisas, a partir do princípio da década de 1980, participei de quase tudo relacionado à cultura em Diamantina. Para se ter uma idéia, participei ativamente da formação das batucadas no carnaval diamantinense. Puxava samba para a Bartucada desde o início, antes mesmo do meu amigo “Barracão” assumir o vocal. Puxava samba para os Becudus do Motta, primeira batucada que se organizou com aparelhagem de som na cidade. O trabalho de colocar a Bat Caverna na rua para o carnaval de 1993 foi realizado no meu apartamento em Belo Horizonte, junto com amigos sensacionais, dos quais cito Andrezinho Reis, Edwane Fabrizio, Henrique Ceolin e Frederico Couto. Em 1997, ainda morando em Belo Horizonte, desenvolvi o Projeto Peraltas, junto com a “18 Comunicação e Marketing”, para criar outra alternativa para o carnaval em Diamantina. Depois, vários acontecimentos me aborreceram muito e me afastei de tudo.

Especificamente sobre o Grupo de Incentivo ao Escritor Diamantinense – GIED e o Projeto Arte no Beco, já está pronto um documento histórico intitulado “Origens do GIED”, que traz parte dessa história e, em breve, será entregue oficialmente à atual diretoria do Grupo, ficando disponível para publicação e para a pesquisa.

Quanto às perspectivas de continuidade dos movimentos culturais em Diamantina, confesso que, por vezes, bate uma desesperança frente a alguns absurdos que a gente vê acontecendo por aí. Por outro lado, quando vejo diversos jovens tocando samba, e muito bem por sinal, sinto uma satisfação interior grande! Não sou de ficar comentando com as pessoas, mas falo comigo mesmo, para o meu coração: Valeu a pena tudo, a semente do samba não murchou, está aí, bem viva!

Vendo artistas como Marcelo Brant, Marcial Ávila, e outros mais, que de certa forma vivenciaram aquele período da Arte no Beco, não há como achar que todo um movimento cultural passado que ajudamos construir foi em vão! Por seu esforço próprio, superando diversas barreiras, esses artistas estão firmes aí, reconhecidos internacionalmente e com obras maravilhosas.

A gente percebe também muitos jovens de raro talento, em diversas áreas da cultura! Isso nos dá a certeza de que é possível se fazerem as coisas da forma correta. No meu entendimento, o primordial que falta, na maioria das vezes, é vontade política e ações de apoio da iniciativa privada. O “Jobiniando” foi um exemplo dessa possibilidade que digo de se aproveitarem de maneira correta os potenciais. Uma noite inesquecível, em que eu era o vovô, rodeado só de garotos talentosíssimos, que me deram uma alegria sem medida, quando aceitaram que eu tocasse junto com eles, mesmo com minhas limitações, mesmo sabendo que eu não leio partitura. Isso toca no mais profundo da gente e nos leva a essas reflexões.

 

Passadiço Virtual: Desde 1999, Diamantina é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. Você acompanhou de perto esse processo de reconhecimento e viu a cidade passar por algumas mudanças nos últimos anos. Qual a sua percepção sobre a forma com que a cidade tem tratado e se apropriado desse título?

Wander: Na verdade, com o devido respeito Fernando, sempre que se fala em Diamantina como Patrimônio da Humanidade, há uma tendência em se reportar apenas ao decisivo dia 01 de dezembro de 1999. Há um sentido nisso, pois somente a última fase do processo foi realmente divulgada de forma ampla pelo Jornal Hoje em Dia.

A idéia inicial, contudo, saiu da cabeça do músico Ivo Pereira da Silva, participante ativo do GIED, do movimento Arte no Beco e outros mais. Vejamos os fatos: Em 21 de setembro de 1989 foi promulgada a Constituição do estado de Minas Gerais, data a partir da qual, Diamantina, como todos os municípios mineiros, teria 180 dias para elaborar sua Lei Orgânica Municipal. Naquela época, a Câmara Municipal confeccionou um formulário próprio para serem protocoladas as “Sugestões para a Constituinte Diamantinense”. Reunidos membros do GIED, do Grupo de Teatro Versus, do Grupo Cultural Zé de Lota e do Projeto Arte no Beco, foram definidas doze propostas e encaminhadas à “Comissão de Relações Externas” instituída pela Câmara Municipal. Grande parte dos temas propostos foi de autoria de Ivo Pereira, então Diretor de Turismo da antiga Fundação Cultural e Artística de Diamantina – FUNCARD.

Depois, antes da aprovação da Lei Orgânica, Ivo Pereira ainda repassou, individualmente, em fevereiro de 1990, várias outras sugestões para a Câmara. Dentre elas, foi encaminhada ao vereador Paulo Barbosa Ribeiro, uma sugestão que propunha a inscrição de Diamantina na Lista de Patrimônios Mundiais junto à UNESCO. Foi totalmente ignorada naquele momento pela Câmara Municipal.

Somente em 16 de abril de 1993 essa ação foi levada a efeito, pelo próprio Ivo Pereira, ocupando agora o cargo de superintendente da FUNCARD, que oficializou o pedido junto à UNESCO. Todos esses documentos que cito existem e serão repassados à direção do GIED, junto com o histórico a que me referi anteriormente. De 1993 em diante, o processo passou por duas gestões municipais consecutivas, mas historicamente rivais e antagônicas. Por isso, muitos outros nomes imprescindíveis na construção desse processo, como o Sr. Laércio Lages, por exemplo, foram estrategicamente apagados da história. Um viés político acabou prevalecendo e esse ranço, no meu entendimento, continua se sobrepondo a outras tantas questões importantes, sendo o grande vilão que tem emperrado a boa condução desse título.

O título patrimonial nos oferece condições diferenciadas em relação a outras cidades para buscar verbas junto aos governos estadual e federal e junto a bancos internacionais. Mas sem projetos inteligentes, sem planejamentos, com pessoas sem a competência adequada ocupando cargos estratégicos, cria-se uma dificuldade enorme para se conseguir recursos, ou para aplicá-los de forma coerente, quando às vezes chegam de bandeja em Diamantina, via projetos desenvolvidos pelos governos estadual e federal. E pior, essas ações, na maioria esmagadora das poucas vezes que acontecem, são voltadas apenas para alimentar grupos já pré-determinados, daí a sensação que fica para a população mais simples de que a aquisição desse título foi um grande mal que se projetou para Diamantina. A população dos bairros periféricos se sente como se tivesse sido expurgada de sua própria cidade.

 

Passadiço Virtual: O seu livro La Mezza Notte (2003), escrito em parceria com Antônio Carlos Fernandes, é leitura obrigatória para entender um pouco sobre a origem da musicalidade de Diamantina e da Vesperata. Além disso, vocês alertaram sobre o processo de perda de identidade dessa manifestação cultural. Afinal, como você vê a Vesperata hoje? Ela ainda representa a musicalidade diamantinense ou é apenas mais um produto comercial turístico?

Wander: Inicialmente tenho o dever de agradecer o elogio dispensado ao livro e informar também que a edição de 2003 aconteceu com muito sacrifício, apenas com o apoio da ACID, por intermédio de Juscelino Brasiliano Roque, na época seu presidente. Depois, sim, veio o apoio essencial da Universidade, por intermédio da professora Mireille São Geraldo dos Santos Souza, que conseguiu, junto ao Ministério da Educação, recursos para que eu pudesse fazer as viagens e alargar substancialmente a pesquisa, buscando informações em outros arquivos fora de Diamantina. A segunda edição saiu revista e ampliada em 2007 pela UFVJM, com um estudo mais profundo.

Por mais que você considera o La Mezza Notte leitura obrigatória, não é dessa forma que oficialmente Diamantina o trata. Há um trabalho velado e silencioso contra o livro na cidade, porque ele não se alinha aos interesses escusos, políticos e comerciais, que envolvem o evento turístico. Tanto é verdade, que a Vesperata acontece sem apresentação alguma, apesar da existência de um livro, construído com metodologia científica, que trata de sua historiografia. O compromisso do La Mezza Notte é retirar da gaveta do esquecimento os fatos que, estrategicamente, foram ali acondicionados e recolocá-los na gaveta da lembrança, fazendo uma viagem responsável dentro da memória cultural de Diamantina.  

Realmente já alertamos sobre isso: o perigo da perda de identidade ao se transformar um atrativo cultural em produto turístico, sem se levar em consideração sua qualidade e sua historiografia. As capistranas, por exemplo, foram projetadas em Ouro Preto e se instalaram em nossa cidade somente vinte anos depois. Contudo, Ouro Preto não cuidou de sua qualidade, nem de sua historiografia e, dessa forma, o nome capistrana ficou associado a Diamantina. Vinte anos na história são apenas como um pingo d’água num rio caudaloso.

Portanto, há uma lógica no que a gente vem tentando alertar: se Diamantina não cuidar carinhosamente da qualidade da Vesperata e insistir em ignorar sua historiografia, é muito possível sim que no futuro outras cidades façam o evento com mais competência e sensibilidade e terminem por passar uma borracha no que foi realizado até aqui.

Enquanto Diamantina oficialmente ignora nosso estudo, o livro La Mezza Notte está sendo fonte de sustentação da tese de doutorado intitulada “O Anjo da Meia Noite e as Vesperatas em Diamantina: tensões na produção de uma manifestação cultural”. A doutoranda é a professora Leila Amaral, do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília, que está desenvolvendo sua tese na Universidade da Beira Interior, com sede na cidade de Covilhã, em Portugal. A orientação do estudo está a cargo do professor catedrático, José Carlos Venâncio, em cujo parecer sobre o tema, registrou sua satisfação em receber e acompanhar uma tese que se alinha aos projetos da referida Universidade lusitana, voltados para o estudo, a preservação e a revitalização das manifestações culturais locais, para inseri-las nos roteiros turísticos da região da Beira-Interior.

Embora, há muito, já tenha resolvido lavar minhas mãos sobre esse assunto, volto a alertar que enquanto a preocupação primaz em Diamantina for a movimentação financeira em torno da Vesperata, e enquanto não se levar em consideração a necessidade da preservação e revitalização de seus valores artísticos, históricos e culturais, a tendência é continuar o processo vertiginoso de decadência que está acontecendo a olhos nus, para qualquer observador um pouquinho mais atento.

Quanto a Vesperara representar a essência da musicalidade diamantinense, penso que é impossível isso acontecer, enquanto profissionais liberais, donos de pousadas, donos de bares e restaurantes, políticos e “pitaqueiros” de toda ordem continuarem dando as cartas e protegendo a incompetência em nome do ganho financeiro momentâneo, convictos de que entendem mais de música do que os músicos qualificados que a cidade possui! Associada a isso está a inércia de várias instituições envolvidas, que não querem se posicionar, por razões que desconheço.

 

Passadiço Virtual: Nesse mesmo livro vocês destacam a riqueza e a tradição da musicalidade diamantinense desde Lobo de Mesquita, passando pelo maestro João Batista de Macedo, os grandes seresteiros até chegar na Vesperata. De que forma você vê essa musicalidade diamantinense hoje? Ela ainda resiste bravamente ou corre sérios perigos de perder sua identidade?

Wander: Para se responder essa pergunta, torna-se necessária uma pequena explanação sobre o processo que resultou na aquisição do título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Diamantina tinha que definir qual caminho a ser trilhado para justificar sua pretensão ao título. Deveria, pois, apresentar à UNESCO singularidades que, pelo grau elevado de seu valor, teriam que ser preservadas para o conhecimento das gerações futuras.

Dentre essas singularidades, como os elementos históricos e arquitetônicos apresentados, apresentou-se a música como o elemento cultural mais expressivo de origem européia, aqui disseminado, que deveria, portanto, ser preservado para o conhecimento das gerações pósteras. Os estudos do musicólogo alemão, Francisco Curt Lange, apontam para um ambiente musical de altíssima qualidade estabelecido no século XVIII no estado de Minas Gerais, sem precedentes na formação de todo o território americano. Os compositores mineiros daquele século superaram os compositores portugueses e são comparados aos grandes mestres europeus de seu tempo. Nesse contexto, Diamantina produziu um dos maiores expoentes dessa musicalidade mineira que foi José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita. Nos séculos seguintes, Diamantina continuou produzindo grandes compositores como João Batista de Macedo (maestro Piruruca), Antônio Ephygênio de Souza (maestro Paraguay) e o grande maestro Francisco Nunes.

Pois bem, quando se faz a opção, como regra para a Vesperata, por um repertório formado com tema sonoro para James Bond; New York, New York; balada americana e similares, mata-se a justificativa que enviamos para a UNESCO, que possibilitou nossa consagração como Patrimônio Cultural do Mundo.

Isso não quer dizer, contudo, que não se devem abrir exceções, ou que não se deve incluir o popular nas execuções. A questão é que temos um repertório doméstico vasto, de valor singular, que somente nós podemos oferecer ao mundo, basta verificar o acervo imenso de partituras do século XIX, ainda pouco explorado. Mesmo que se adentre o universo popular, há que se oferecer uma música rica em orquestração e harmonização, condigna com a qualidade do ambiente musical historicamente desenvolvido em nossa cidade. Aí, a coisa se complica, porque orquestrar e harmonizar com qualidade não é tarefa para quem simplesmente quer, é para quem tem conhecimento adequado e, principalmente, talento. Como se trabalhar com dissonância, com fuga, com polifonia, com contra ponto e outros tantos elementos ricos da harmonia sem a competência devida? Acontece que os músicos capacitados para vencer esse desafio estão, estrategicamente, alijados do processo. A conseqüência imediata é se perder a singularidade e se alojar na vala comum, ou seja, perda de identidade, com certeza! É isso que estamos vendo acontecer na Vesperata!

Outra coisa muito séria é a qualificação musical péssima em que chegou a Banda Mirim. Essa situação é grave, porque a partir de sua fundação, a referida Banda passou realmente a ser um local de formação de novos músicos, simultâneo ao Conservatório Lobo de Mesquita. E sobre essa perda de qualidade, não adianta tentarem mascarar os fatos, a razão está na saída de Roberto Manoel da Cruz e Kátia Mota, que eram os professores que realmente “pegavam o boi pelo chifre” nesse quesito da formação musical das crianças. Além do mais, o propósito de se criar a Banda Mirim foi oferecer “educação pela música”, num projeto de extensão da educação de meninos e meninas pertencentes a famílias carentes. Como funcionar esse propósito sem o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico, sem um acompanhamento psicológico para crianças com problemas familiares de toda ordem? Esse conjunto de coisas gera má formação, em todos os aspectos.

A Orquestra Jovem, por exemplo, está sendo obrigada a trabalhar com a formação de músicos, quando o ideal seria que todos os músicos já chegassem ali num patamar satisfatório. Se houvesse um projeto bem planejado, poderia está ocorrendo uma interação entre a Banda Mirim e a Orquestra Sinfônica. O músico seria formado na Banda desde uma idade mínima definida, nos moldes de uma metodologia pré-estabelecida, transferindo-se dali para a Orquestra mais tarde, já dominando toda a formação básica necessária. Mas são outros os interesses que definem as regras. Há pouco tempo, chegamos a ver duas crianças tocando violino no meio da Banda Mirim, em eventos pelas ruas da cidade, sob um sol escaldante. Uma vergonha que expunha Diamantina ao ridículo, uma gafe de efeito avassalador para uma cidade com a história musical singular que construiu!

Com tudo isso, temos que reconhecer que há uma musicalidade natural inerente ao povo diamantinense! Não sei se é precipitado afirmar que essa aptidão generalizada é conseqüência direta do nosso passado musical ou emerge naturalmente de outros valores distintos, pois, realmente, não tenho elementos para explicar esse fenômeno! Mas o fato é que, já que Diamantina possuiu esse potencial, basta se primar pela maneira correta de lapidá-lo, para continuar qualificando cada vez mais essa geração nova de músicos de talento que existe na cidade, assim penso!

 

Passadiço Virtual: Por falar em Antônio Carlos Fernandes, o saudoso Toninho, parece-me que vocês tinham uma parceria muito forte e produtiva. Infelizmente, não o conheci, mas muitas pessoas falam com muito carinho e respeito por ele. Como era essa parceria? Toninho faz muita falta em Diamantina?

Wander: Toninho também era filho de família muito simples e venceu com muito trabalho e muita luta. Era um estudioso obstinado e dono de uma mente privilegiada. Possuía uma oratória espetacular, fluente e de fácil compreensão, conseguia prender a platéia como ninguém. No geral, um sujeito muito alegre, que não perdia tempo para soltar aquela risada folgazã, de toda altura.

Eu já possuía um contato com ele, pois fomos contemporâneos na antiga FAFIDIA, mas nossa parceria teve início somente em 2002. Meu banco de dados, iniciado em agosto de 2000 estava ficando imenso. Além disso, minha pesquisa, naquele momento, já trazia indícios de que a Vesperata era um evento tradicional da Banda de Música do 3º Batalhão, que havia sido interrompido em décadas anteriores. Terminei por levantar os nomes de inúmeros músicos antigos da Banda do Batalhão que ainda estavam vivos e me deram seu testemunho, como também, localizei a partitura da música La Mezza Notte, que tinha sido registrada como perdida em documento cartorial.

Como eu não morava em Diamantina na década de 1990, não fiz parte da “Comissão por Diamantina Patrimônio da Humanidade” oficializada na noite de 27 de março de 1997, em cuja cerimônia Toninho foi o orador oficial. Depois, a partir das ponderações do Monsenhor Walter Almeida, foi Toninho quem escreveu o “Ensaio Histórico Estratégico” sobre o qual o IPHAN deveria formatar o dossiê a ser enviado à UNESCO, com a justificativa para aquisição do título.

Portanto, para escrever o livro La Mezza Notte, era condição sine qua non juntar o material de minha pesquisa com as informações que Toninho possuía sobre o processo final da campanha patrimonial. Mas tudo isso não podia ser escrito fora de um contexto histórico, por essa razão tivemos que fazer muitos estudos específicos, durante a construção do livro.

Essa experiência foi muito produtiva para nós dois. De minha parte, como não sou formado em História, aprendi com Toninho a metodologia de construção do documento historiográfico. Concomitante a esse trabalho, comprei livros e estudei bastante a metodologia da pesquisa, o que me ajudou muito a organizar meu banco de dados.

Quanto à questão da escrita, é curioso, porque apesar de sermos dois sistemáticos nesse aspecto, entrávamos um no texto do outro tranquilamente, sem maiores problemas, quando era para melhorar a frase e a compreensão da informação. Outras vezes, escrevíamos o texto juntos, varávamos a madrugada escrevendo. Aí era muito interessante também, porque com o tempo, quando um começava o raciocino para construção da frase, o outro rapidamente assimilava e já completava o texto, muitas vezes de forma incontinenti. Depois, descobrimos que a razão da nossa escrita ser bastante parelha estava na matriz do seu aprendizado: o professor Hermes Pimenta Werneck Machado, nosso mestre no Colégio Diamantinense, a quem eternamente somos agradecidos.

Quando Toninho faleceu, não pude me fazer presente à missa de 7º dia, pois tive que viajar. Então deixei um texto escrito para ele, no qual fiz uma alusão à música “Vai Passar”, de Chico Buarque de Holanda, fechando com o seguinte comentário:

É muito duro ter que lhe informar, companheiro, assim de supetão! A cidade não compreendeu ainda o que representa a sua partida! Diamantina, qual pátria-mãe tão distraída, dorme o seu sono habitual profundo, um sono com pequenos sonhos desbotados, quase letal! Um sono preguiçoso, que deixou passar em branco, ano passado, o centenário do Professor Aires da Matta Machado Filho. Ou que deixou passar em branco, em 2005, o bi-centenário de falecimento de Lobo de Mesquita. E por aí vai. Estou apenas lhe prevenindo, companheiro, para que você não se assuste, daí onde nos tiver observando!

Tenho a certeza de que Diamantina não parou para avaliar até hoje o que representou a partida de Toninho! O legado que ele deixou não gera dinheiro rápido, então é como se nada valesse!

 

Passadiço Virtual: Você vem trabalhando em uma pesquisa sobre a passagem de João Gilberto por Diamantina na década de 50, antes do sucesso da Bossa Nova. O que você pode nos adiantar sobre esse trabalho? Como anda o processo de pesquisa? Você realmente acredita que Diamantina influenciou de alguma forma o processo de criação da Bossa Nova?

Wander: Comecei esse trabalho em agosto de 2000. Naquele momento a motivação inicial era simplesmente desvendar a passagem de João Gilberto por Diamantina. Eu achava que levantar e publicar essa história seria de uma importância imensa para nossa cidade, pois a Bossa Nova ainda é um movimento musical de fama mundial. Identifiquei algumas pessoas que haviam convivido com ele em sua estada por aqui e fui à luta. Devagar, outros tantos nomes foram surgindo.

Percebi que ele se aproximou de pessoas que conviviam em grupos totalmente distintos aqui na cidade. Mas com seu jeito bastante reservado, muitas pessoas que conviveram com João Gilberto não sabiam de outras pessoas que mantiveram com ele a mesma relação, ou até mais próxima, em algumas situações. Por exemplo, essa história de que a Bossa Nova foi desenvolvida num banheiro é meio fantasiosa, mas, ao mesmo tempo, ótima para a mídia. Ninguém, mesmo que queira, consegue permanecer o tempo todo ocupando o banheiro de uma casa onde outras tantas pessoas moram. João Gilberto passou a maior parte do tempo, em que se debruçou no violão para desenvolver a nova batida, no seu pequeno quarto, ao fundo da casa. A questão do banheiro é que ali ele podia se escutar, pois o som do violão e de sua voz reverberava de forma mais intensa. Então, quando era possível, ele utilizava aquele ambiente com vistas a aperfeiçoar o treinamento. Somente a um amigo foi permitido presenciar esses momentos raros ali dentro.

Por estarem ligadas a grupos sociais diferentes aqui em Diamantina, com valores gerais distintos, as pessoas assimilaram o trabalho de João Gilberto com percepções diferentes. Isso me fez compreender rapidamente que se eu não contextualizasse essas informações, ficaria difícil a compreensão de muitos pontos, principalmente para o leitor que não fosse diamantinense. Assim, houve a necessidade de se responder primeiramente a uma pergunta que não se calava: Quais eram os valores sócio-econômicos e políticos, costumes e tradições da Diamantina da década de 1950? Como não há uma historiografia editada oficialmente do século XX da cidade, avoquei a tarefa de construir parte desse cenário. Aí a pesquisa tomou uma dimensão muito grande.

A Bossa Nova surgiu da junção de três elementos renovados na música popular que se produzia até então no país: a renovação harmônico-melódica, a renovação da linguagem e a renovação do ritmo. Ao avançar na pesquisa, descobri que a cultura de Minas Gerais e, mais especificamente, a cultura de Diamantina contribuíram de forma consistente para que essas inovações fossem realizadas no Rio de Janeiro, que na verdade funciona como um centro catalisador da cultura nacional. Dessa forma, o que já havia tomado grande dimensão ficou maior ainda.

A parte da pesquisa que se refere ao João Gilberto está praticamente pronta. Em relação ao item renovação do ritmo, o que Diamantina ofereceu ao João Gilberto foi apenas sossego e reclusão para desenvolver algo que ele já estava determinado a fazer. Pelo somatório de entrevistas das pessoas que aqui conviveram com ele, a gente pode afirmar com segurança que João Gilberto já sabia o que estava fazendo e onde queria chegar. Quanto aos outros aspectos, tenho que aprofundar ainda mais meus estudos sobre o folclore mineiro e diamantinense, sobre a musicalidade aqui desenvolvida, e como tudo isso ajudou a alterar o ambiente da música popular no Rio de Janeiro. Para tanto, tenho que complementar a pesquisa, porque não posso publicar um estudo acanhado, frente à dimensão que o projeto tomou. Ainda falta visitar inúmeros arquivos em outras cidades, mas como não tenho patrocínio, nem apoio institucional, a pesquisa vem se arrastando de forma morosa.

 

Passadiço Virtual: Parece-me que você também pretende discutir nessa pesquisa a importância de JK e algumas coincidências históricas de seu período de governo que possibilitaram o surgimento da Bossa Nova e de outras manifestações culturais brasileiras.

Wander: Com certeza, o presidente JK foi de fundamental importância nesse processo de renovação da cultura nacional. Inicio essa discussão com uma questão imponderável. No dia que JK assumiu a presidência da República, seus dois primeiros atos foram a suspensão da censura à imprensa, às rádios e televisões e o encaminhamento de uma mensagem ao Congresso Nacional abolindo o estado de sítio em que recebera o país. Pergunta-se: Será que a reboque de um regime político autoritário e repressor, com a imprensa amordaçada, as artes em geral teriam avançado naquele tempo, da forma como avançaram no governo democrático do presidente Juscelino Kubitschek? Seria prudente afirmar que a evolução que aconteceu nos mais variados segmentos do país foi conseqüência direta da opção pelo estado democrático como prerrogativa de governo?

Imponderáveis à parte, a verdade é que em seu governo evolveram as letras, a arquitetura, o urbanismo, a pintura, a informação, a pesquisa em diversos campos da ciência. Explodiu o cinema novo. Ocorreu um desenvolvimento que impulsionou a produção de riquezas nacionais. No esporte, Adhemar Ferreira da Silva foi medalha de ouro nos jogos olímpicos da Austrália; O futebol brasileiro sagrou-se campeão mundial na copa da Suécia; Maria Esther Andion Bueno alcançou o posto de tenista nº. 1 do mundo; Éder Jofre conquistou o título mundial de boxe.  Exatamente nesse cenário de esperança e de credibilidade nas potencialidades nacionais, emergiu o mais importante movimento musical brasileiro, reconhecido pelo mundo: a Bossa Nova.

Contudo, a preocupação de Juscelino Kubitschek em primar pelo estado democrático no Brasil não se deu de forma instantânea naquele primeiro dia de seu mandato presidencial. Essa característica começou a ser amadurecida a partir de sua primeira campanha política, na qual teve que enfrentar o ambiente político diamantinense, arraigado em mais de 200 anos de tradição de uma política opressora e hermeticamente fechada.

O que se pretende trazer à luz, pois, é apenas o viés diamantinense do JK, cujas peculiaridades ajudaram a formar a base de seu caráter prioritariamente democrático. Consequentemente, novos imponderáveis, presentes na relação dele com Diamantina, serão identificados, alguns dos quais ajudaram a delinear inúmeras ações que caracterizaram seu governo do estado de Minas Gerais e da nação brasileira. O que escreverei sobre JK está longe de se revestir do caráter de elaboração de uma teoria nova, até porque tenho consciência de que cientistas políticos, economistas, historiadores, jornalistas, intelectuais, críticos, procedentes dos segmentos sociais mais variados, dedicaram tempo precioso de seus estudos à tarefa de tentar escandir Juscelino Kubitschek de Oliveira.

 

Passadiço Virtual: Recentemente li um texto de sua autoria chamado “II Manifesto do Beco”. Acho que ali você consegue sintetizar muito bem um pouco da história de Diamantina. Além disso, você também nos fala sobre a necessidade de resgatar “os inúmeros valores culturais da cidade, emergentes no teatro, na dança, nas artes plásticas, na música, na literatura”. Você concorda que o manifesto ainda está atualíssimo?  Como mostrar e resgatar essa riqueza artística e cultura?

Wander: Mais uma vez, lhe agradeço primeiramente pelo elogio. Ali é poesia. Então é possível certo exagero na utilização da adjetivação e das figuras de linguagem, o que acaba gerando, com freqüência, o chamado juízo de valor. Exatamente por essa razão, a força maior da mensagem crítica inserta naquele Manifesto está nas entrelinhas. No texto histórico há que se ter um constante cuidado para se evitar a construção do juízo de valor. Isso não quer dizer que o II Manifesto não traz consigo muitas informações sobre a história de Diamantina, ao contrário, a partir das informações historiográficas que possuo da cidade é que construí o texto.

A idéia de se escrever em forma de manifesto surgiu em 1989, quando sofríamos uma perseguição ferrenha de alguns setores da sociedade local, contrários à realização do Projeto Arte no Beco. Essa história está registrada no documento “Origens do GIED” a que já me referi. Então, naquele ano, Hugo Leonardo escreveu o “I Manifesto do Beco”, parafraseando o poeta Thiago de Mello, durante uma noite daquelas em um dos bares do Beco do Motta. Uma maneira que ele encontrou naquele tempo para deixar registrada toda a nossa indignação.

O II Manifesto foi escrito 14 anos depois, com olhos agora mais maduros, com tempo para sua construção e sem aquela pressão pela qual estávamos passando em 1989. Ivo Pereira, ao dar continuidade ao projeto “Caminhos da Poesia” durante o 35º Festival de Inverno da UFMG, realizado em Diamantina em 2003, solicitou-me a construção de um Manifesto. Resolvi fazê-lo nos moldes do anterior. Para escrevê-lo, além de utilizar as informações da história de Diamantina, utilizei elementos da poesia de Carlos Drummond de Andrade, do próprio Thiago de Mello para respeitar a linha de construção do I Manifesto, de Chico Buarque de Holanda e de Castro Alves.

Em um dos versos, registrei que passados vinte anos da revitalização do Beco do Motta no início da década de 1980, Diamantina continuava a mesma, indiferente ao movimento cultural que havíamos construído naquele espaço, obcecada pela “cartilha” nociva do garimpo, sem muita diferença do período colonial em que o contrabando é que ditava as ordens no Tijuco. Nunca houve esse negócio de que aqui era como “um estado dentro de outro estado”. No dito popular, isso é uma bela “conversa para boi dormir”. Aqui o que definia as relações e a cadeia de poder era o contrabando. Você identificou muito bem, o II Manifesto ainda está atualíssimo sim. Inclusive, por vezes, brinco em algumas rodas de bate papo, dizendo que até hoje parece que não acabou o efeito da praga lançada pelo pajé Pyrakassu, quando os índios puris foram exterminados no Tijuco!

Quanto aos valores emergentes a que me refiro, é bastante claro que não existe na cidade uma política de cultura bem definida, voltada para o melhor aproveitamento possível de todo o potencial inerente ao material humano existente aqui em profusão. Como não aproveitar a experiência de um Evandro Passos, prêmio UNESCO, referência internacional, que construiu sua tese de mestrado a partir de suas experiências com a utilização da dança para sociabilizar jovens da periferia de Belo Horizonte? Ainda a título de ilustração, somente este ano, Marcial Ávila, artista plástico que leva com seu trabalho o nome de Diamantina constantemente para a Europa, conseguiu expor suas telas em sua cidade natal, por empenho e mérito advindos da sensibilidade de Gracíola Rodrigues, atual diretora do Teatro Santa Isabel.

 

Passadiço Virtual: Já que falamos em Beco do Motta, muito me intriga o descaso com esse importante espaço da cidade. Se Minas é o Beco do Motta, se o Brasil é o Beco do Motta, por que Diamantina não é o Beco do Motta? Em minha opinião, diante de sua importância, sentidos e significados para Diamantina, aquele espaço deveria ser mais valorizado. Você concorda com essa perspectiva?

Wander: Fantástica essa colocação: “Minas é o Beco do Motta, Brasil é o Beco do Motta, Mundo é o Beco do Motta, mas Diamantina não é o Beco do Motta”. Isso define tudo! A minha resposta está nas entrelinhas do II Manifesto do Beco. Quando o documento “Origens do GIED” vier à tona, virá com a linguagem histórica, portanto direta, sem a quantidade excessiva de entrelinhas contidas no II Manifesto. Por intermédio desse documento, as pessoas terão oportunidade de tomar conhecimento de muitos fatos que se deram no Beco do Motta na década de 1980 e poderão retirar suas próprias conclusões e formular suas respostas. Talvez na própria história do Beco do Motta, uma cicatriz social aberta e exposta no coração pulsante de Diamantina, pode estar a resposta da razão pela qual ele fica ali moribundo, anos a fio, apesar de toda riqueza “latente em seu calçamento pé-de-moleque”.

 

Passadiço Virtual: O que você espera do poder executivo e legislativo municipal em relação às políticas públicas na área cultural de Diamantina? Que propostas você gostaria de ouvir de nossos candidatos a prefeito e vereador nessas eleições?

Wander: Estando a pouco mais de um mês das eleições municipais, penso que não é o momento correto para me aprofundar em questões ácidas. Não porque não tenha posições e opiniões claras e bem definidas sobre o assunto, mas para não criar suscetibilidades indigestas neste momento agudo das eleições. Contudo, não posso me esquivar da emissão de uma opinião geral sobre o assunto.

Quanto ao poder legislativo, há muito não temos uma Câmara formada em sua maioria por pessoas capacitadas para exercer essa função, salvo algumas exceções raras. Para este pleito, vejo pouquíssimos candidatos preparados para exercer a vereança, com o agravante de que candidatos com esse perfil normalmente não conseguem vencer as eleições, visto que, de longa data, há um costume arraigado no povo de votar em quem lhe alimenta com favores escusos de toda ordem. Portanto, com certeza, será formada uma Câmara fraquíssima, indigna da importância de Diamantina para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo.

Quanto ao poder executivo, há questões ácidas, que como já disse, penso que não é o momento adequado para entrar em seu universo e destrinçar o perfil individual dos candidatos. Porém, no âmbito global, há uma prática sistemática de se utilizar a pasta da Cultura, como um lugar de refugo, para acomodar os apadrinhados políticos. Com essa prática, forma-se uma equipe totalmente desqualificada para a elaboração de planejamentos e de projetos. Ora, Diamantina é Patrimônio Cultural da Humanidade porque é uma cidade singular, portanto essa secretaria não pode funcionar com os mesmos vícios de uma cidade qualquer. Em cidades como Diamantina a cultura é uma das principais secretarias, se não for a principal, pois é por ela que obrigatoriamente têm que passar todos os projetos que podem realmente fazer a diferença para a melhoria de vida de toda a comunidade. Por outro lado, como Diamantina possui um orçamento municipal curto, em vista de seu perfil de cidade prestadora de serviços, sem grandes indústrias e outros segmentos que poderiam engordar seu orçamento, a coisa fica realmente complicada quando se depende de uma equipe desqualificada para se buscar recursos, também com algumas raras exceções, diga-se de passagem.

Para deixar bem clara minha opinião sobre essa pergunta, vou utilizar uma máxima escrita por Bhagwan Rajneesh, um guru indiano que viveu nos Estados Unidos: “Enquanto existe a esperança, a infelicidade continua”. Há muito decidi que não quero ser infeliz, por isso nada espero das candidaturas majoritárias postas neste momento, pois não acredito nelas por uma série de razões que, como já disse, achei por bem não nomeá-las, considerando a prudência que o momento exige. Aí, posso estar parecendo controverso, por ter falado de esperança na resposta de uma pergunta anterior. Penso que a esperança está na Universidade, a seta pontiaguda que vem quebrando devagar um sistema político cruel, cuja idade já atingiu 300 anos.

 

Passadiço Virtual: Wander, muito obrigado pela sua disponibilidade em contribuir com o nosso blog e pela generosidade em compartilhar conosco o seu conhecimento.

Wander: Agradeço imensamente o espaço que o Passadiço Virtual abriu para o meu trabalho por intermédio desta entrevista. Aproveito a oportunidade para parabenizá-lo Fernando Gripp, pela seriedade com que você trabalha esse blog, que a cada dia vem se tornando uma referência de informação sobre Diamantina, por seu caráter fidedigno, independente e imparcial. Que Deus lhe dê forças e sabedoria para seguir adiante.

Pedro Angelo Almeida Abreu, Reitor da UFVJM

Graduado em Geologia pela Universidade de Fortaleza, tendo atuado representante estudantil junto ao órgão máximo da universidade em dois mandatos consecutivos; alcançou o mestrado em Geologia Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutorado em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg-Alemanha (1993) e pós-doutorado pela Universidade do Kansas (USA). Foi Diretor do Centro de Geologia Eschwege do Instituto de Geociências da UFMG, representando então o Centro na Congregação do Instituto de Geociências da UFMG. Diretor da Faculdade de Ciências Agrárias da FAFEID/UFVJM, de 2002 a 2006, tendo assento no Colegiado Superior da Instituição. Reitor da UFVJM desde 01 de agosto de 2007 .

Em seu segundo mandato o professor Pedro Angelo fala sobre o processo de expansão da UFVJM; faz um relato sobre o processo de criação e implantação do curso de Medicina e ressalta a importância da presença da universidade em Diamantina e no Vale do Jequitinhonha.

 

Passadiço Virtual: Como o senhor avalia o atual estágio de desenvolvimento da UFVJM? Quais os principais desafios e dificuldades da universidade nesse momento?

Professor Pedro Angelo: O nosso estágio de desenvolvimento é muito especial, pois combina a consolidação de vários cursos com a expansão da instituição. A UFVJM oferece atualmente 32 cursos de graduação e em curto prazo alcançaremos a marca de 44 cursos. Dos atuais 32 cursos, 10 não atingiram ainda a maturidade, ou seja, não formaram turmas, convivendo com cursos implantados em 2006 e em 2002, sem esquecermos-nos do curso de Odontologia, fundado em 1953, e o de Enfermagem, que teve o seu advento em 1997. A pós-graduação stricto sensu cresce de forma exponencial e atualmente a Instituição oferece 11 cursos de mestrado e 2 de doutorado. Também já contamos com 10 centros de pesquisa devidamente equipados e a extensão amplia cada vez mais a integração UFVJM/Comunidades dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

Por outro lado, estão em fase de implantação 2 novos campi nas cidades de Janaúba e Unaí, cada campus recebendo 5 cursos de graduação a partir do segundo semestre de 2013 ou do primeiro semestre de 2014. Ademais, atendendo ao projeto de governo de interiorização do ensino de medicina no Brasil, a UFVJM acolheu, na reunião de seu Conselho Universitário em 06/07/2012, a proposta de implantação de 2 cursos de medicina, sendo um em Diamantina e outro em Teófilo Otoni. Essa situação, por si, representa um desafio para a gestão, mas, sobretudo, para a Instituição que, sem abrir mão da qualidade, assume a responsabilidade de estabelecer ensino superior público de qualidade em territórios da metade norte do Estado de Minas Gerais. Certamente representa uma tarefa penosa, mas por ser virtuosa, as dificuldades e obstáculos serão desafios para superação pelo esforço e perseverança. A repercussão socioeconômica e política da interiorização do ensino superior público vale superar qualquer desafio e faz aflorar o espírito público de membros da academia e da sociedade na consecução de projeto tão virtuoso. O que se pronuncia para nossa Instituição, no meu entendimento, é uma dádiva, mesmo considerando o tamanho da tarefa, que carrega consigo uma missão para construirmos um futuro melhor para o povo brasileiro, em especial para as populações da parte setentrional de Minas Gerais.


Passadiço Virtual: Como está processo de expansão da UFVJM para as cidades de Janaúba e Unaí?  Qual ao significado dessa expansão para a universidade?

Professor Pedro Angelo: Estamos recebendo terrenos, por doação, para a implantação desses 2 campi. No caso de Unaí, inclui uma Fazenda de 75 hectares para as aulas e atividades de pesquisa no âmbito das ciências agrárias. O plano diretor físico dos campi está em fase final de elaboração, enquanto os projetos arquitetônicos de vários prédios dos novos campi estão em elaboração e serão licitados ainda em 2012 para início das obras no inicio de 2013, que somarão investimentos da ordem de 13 milhões de reais por campi no primeiro ano. Cabe salientar que a escolha dos cursos foi amplamente debatida em audiências públicas com as comunidades do norte e noroeste de Minas. O significado da expansão da universidade no contexto da nação foi mencionado na resposta anterior. Se focarmos sob o prisma da própria Instituição, ressalta-se, a priori, a agregação de competências e o ganho da diversidade trazida pelos novos cursos. A interação da competência e da diversidade resulta em uma maior capilaridade do conhecimento e a potencialização de produção acadêmica pela nucleação de saberes, que inclui a sabedoria dos povos de cada região onde se acha inserida a universidade. Pode-se destacar ainda como um valor potencial com a multiplicação de campus, a competitividade sadia entre grupos, cursos e campus da instituição.

 

Passadiço Virtual: O processo de implantação desses campi provocou uma grande mobilização da sociedade do Vale do Jequitinhonha na luta pela expansão da UFVJM para a nossa região. Afinal, quais as verdadeiras perspectivas de que isso ocorra nos próximos anos?

Professor Pedro Angelo: O movimento “a UFVJM é nossa” marca um novo tempo para o Vale do Jequitinhonha, “um novo tempo político”. Da passividade e autocomiseração histórica passou a defender o que é seu de direito, passou a reivindicar o investimento qualificado em seu território. É um começo, mas acena de fato para um novo tempo e espero que seja amadurecido e ampliado no escopo de potencializar a conscientização para escolha dos governantes e representantes parlamentares, estes para promoverem a intermediação no sentido da implantação de políticas públicas e não aquelas de caráter pessoal ou personalista, e aqueles para o exercício de gestão pública qualificada. O ensino superior público chegou ao Brasil, finalmente, depois de mais de 500 do seu descobrimento. Sim, porque o que aí estava servia fundamentalmente às elites, chegando de fato para quase todos com a expansão e interiorização promovida nos últimos 10 anos. O processo de expansão não terminou, existem ainda muitos vales do Jequitinhonha Brasil afora como territórios vazios na oferta de ensino superior público. A expansão do ensino superior público e gratuito deve ser do tamanho do Brasil, do tamanho da sua riqueza e do tamanho da sua vontade.

 

Passadiço Virtual: Muito tem se falado sobre o Curso de Medicina da UFVJM, gerando muita expectativa e especulações sobre a sua criação. Enfim, o que realmente temos de concreto sobre esse assunto? Quando começa o curso? Quantas vagas serão ofertadas? Onde o curso funcionará? Como será o processo de seleção dos alunos?

Professor Pedro Angelo: Como mencionado anteriormente, serão dois cursos: um no Campus de Diamantina e outro no Campus de Teófilo Otoni, cada curso ofertando 60 vagas por ano (30 por semestre). A seleção será feita conforme os demais cursos da UFVJM, ou seja, através do ENEM e do SASI (sistema de seleção seriada). Pelo SASI são ofertadas 50% das vagas, das quais 60% para estudantes oriundos de escolas públicas e como é aplicado exclusivamente em cidades dos vales do Jequitinhonha e Mucuri e do Norte e Noroeste de Minas (e algumas cidades do entrono), potencializa o ingresso de estudantes dos nossos territórios. A preparação do curso de medicina para o Campus de Diamantina vem sendo feita há 3 anos e, por isso, temos condições de iniciá-lo em 2013. O nosso campus de Teófilo Otoni não tem nenhuma estrutura de cursos da área médica ou de saúde e como a autorização para a implantação do curso nesse campus veio recentemente, temos um longo e ardoroso trabalho pela frente até conseguirmos estruturar a universidade e os hospitais da cidade para acolher o curso de medicina e, por isso, não se vislumbra qualquer possibilidade de iniciá-lo antes de 2014.

 

Passadiço Virtual: O ditado popular diz que filho feio não tem pai. Mas no caso do Curso de Medicina da UFVJM a situação é totalmente inversa porque tem muitos querendo ser pai da criança. Tem se tornado muito comum, principalmente em ano eleitoral, o surgimento de políticos que se autoproclamam como verdadeiros pais dessa criança. Enfim, como foi o processo de criação do Curso de Medicina da UFVJM? Quem são os verdadeiros responsáveis pela sua implantação?

Professor Pedro Angelo: Em última análise, a criação dos cursos de medicina da UFVJM partiu da iniciativa da Presidenta Dilma de interiorizar, no contexto de uma melhor distribuição geográfica no território brasileiro, o ensino superior de medicina no âmbito das universidades federais, pois esses cursos foram aprovados, de fato, através dos resultados dos levantamentos pertinentes para atender a interiorização referida. É verdade que alguns políticos trabalharam para a implantação de cursos de medicina na UFVJM e, nesse sentido, cabe reportar a iniciativa do Deputado Ademir Camilo que, nos idos de dezembro de 2007, solicitou autorização formal ao Conselho Universitário da UFVJM para fazer gestões junto ao MEC e ao próprio governo federal para viabilizar a implantação de curso de medicina no Campus do Mucuri da UFVJM. Seu trabalho persistente resultou no acolhimento pelo MEC da proposta, no entanto, por racionalização de infraestrutura e de competência instalada, em 2009 foi indicado pela Secretaria de Educação Superior do MEC que o curso seria implantado no Campus de Diamantina. Muitos deputados federais se envolveram na disputa pela implantação do curso em um ou no outro campus, alguns disputando a primazia da iniciativa ou o mérito (senão o privilégio) da conquista. No aspecto político, talvez pelas tantas mazelas que permeiam o nosso país e pela herança de uma esdrúxula colonização (assentada em uma organização cartorial, hereditária e do compadrio), continuamos a conviver com o imponderável ou, dependendo do prisma da análise, com o inacreditável. Ora, ora, toda ação política ou operação administrativa que parta de um político para o benefício de uma comunidade, de uma cidade, de um estado ou do próprio país deve ser visto, sempre, como a realização de uma obrigação. A investidura de um cargo púbico, seja de deputado, reitor, governador, prefeito ou ministro assenta-se no pressuposto do espírito público e da competência para o exercício do cargo ou função e não como um privilégio de sustentação hereditária ou do exercício da plutocracia. Se entendermos que a ascensão ao cargo é um privilégio, este deve ser conquistado pelo mérito da competência e o maior ou menor reconhecimento do trabalho executado no exercício da função pública deve ser manifestado pelo público que lhe dá sustentação, sem perdermos de vista, em nenhum momento, que a competência e a dedicação à causa pública é um pressuposto e uma obrigação.  A implantação desses cursos de medicina incorpora novos valores à região e à universidade e estabelece uma nova dimensão para a saúde coletiva das cidades dos territórios e, nessa perspectiva, tratemos, pois de festejar esse advento e tratemos, muito mais, de trabalhar para o estabelecimento de cursos de qualidade, com o apoio indispensável de casas de saúde devidamente adequadas e estruturadas para a formação qualificada de médicos com perfil voltado à saúde preventiva, à saúde coletiva, ao fortalecimento e qualificação do SUS, pois antes de médicos, devemos formar cidadãos cônscios dos seus deveres e dos compromissos com a população que viabilizou a sua formação acadêmica

 

Passadiço Virtual: Os impactos da criação e desenvolvimento da UFVJM na cidade de Diamantina são muito grandes, principalmente na economia da cidade. Há uma expectativa e um debate intenso sobre os aspectos positivos e negativos dessa mudança.  Como o senhor avalia essa relação entre a UFVJM e Diamantina? Como fazer essa relação se desenvolver de forma mais harmônica e benéfica para a comunidade acadêmica e para o cidadão diamantinense?

Professor Pedro Angelo: Os impactos socioeconômicos decorrentes da implantação de uma universidade ou de um campus universitário em uma cidade são visíveis e dimensionáveis, especialmente em cidades menores. A exemplo, a massa salarial da UFVJM é quase duas vezes superior à massa salarial da prefeitura do município de Diamantina, refletindo no fortalecimento do comércio e de todos os serviços correlatos. A demanda de serviços da população acadêmica é também expressiva, gerando emprego e renda. No entanto, o maior benefício trazido pela universidade para a sua cidade e região onde se acha inserida é muito mais nobre: a formação de massa crítica. A qualificação acadêmica sistematizada de pessoas que vão atuar na mudança da realidade da região, ocupando cargos técnicos, políticos e de gestão, imprimindo um senso crítico indispensável à organização social e à estruturação econômica dos territórios. Certamente que a postura pró ativa do poder público municipal no planejamento da cidade e do município como um todo será ou seria de fundamental importância para a acomodação do público que compõe a comunidade acadêmica, minimizando conflitos e tornando a cidade mais aprazível de forma a fixar esse pessoal que traz expectativas de acesso a serviços diferenciados e equipamentos de lazer utilizados de hábito nas suas cidades de origem. O plano diretor de qualquer município de pequeno ou médio porte que receba um campus de uma universidade federal deve levar em consideração esse ente como um organismo vivo da cidade, influente nas suas decisões, inquietante pela sua natureza e virtuoso pelo que produz e promove. O poder público municipal deve assumir também o papel de intermediador e de facilitador para estruturar a cidade de acordo com as demandas da instituição e de seus membros e, por outro lado, deve o pessoal da comunidade acadêmica comportar-se mais do que um citadino passivo, protagonizando, não apenas quando demandado, mas, sobretudo por iniciativa própria, a crítica e ações no sentido da construção de uma sociedade mais organizada, mais humana, em que valoriza os seus saberes sem preconceitos ou aversões ao inusitado e ao desenvolvimento científico e tecnológico.