segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Wander Conceição, músico, pesquisador e escritor.

Dando continudade ao projeto de debater e trocar ideias sobre Diamantina por meio de entrevistas, o Passadiço Virtual tem a honra de publicar a contribuição do músico e escritor Wander Conceição.
Natural de Diamantina, Wander sempre esteve envolvido no universo cultural da cidade. Conviveu com grandes músicos e seresteiros, participou de importantes movimentos culturais e pesquisou sobre a Vesperata. Seu livro “ La Mezza Notte”, escrito em parceria com Antônio Carlos Fernandes (Toninho), é uma referência muito importante para enteder a musicalidade diamantinense.
Na entrevista Wander fala sobre cultura, política, patrimônio, música, Vesperata, Beco do Motta e também sobre a sua pesquisa em desenvolvimento que aborda a passagem de João Gilberto por Diamantina.
Enfim, uma aula imperdível de um grande mestre em diamantinidade.


Passadiço Virtual: Wander, por favor, fale-nos um pouco de sua trajetória de vida, formação e atuação profissional.

 

Wander: Sou filho de uma família muito simples de Diamantina. Meu pai, operário da Fábrica de Tecidos, onde trabalhou até se aposentar; minha mãe, professora primária. Tivemos uma vida de muitas dificuldades e de muita luta, pois além do orçamento familiar estreito, éramos sete filhos, com dois casos de anemia falciforme em duas irmãs que já faleceram.

As coisas aconteceram em minha vida com imponderáveis para os quais não tenho a devida explicação, não havia como fazer muitas escolhas. De minha mãe herdei a determinação que carrego comigo, e, por sua influência e esforço, tomei gosto pelo estudo. Percebo que, do meu pai, herdei a praticidade e parte de sua inteligência matemática intuitiva. Assim, comecei a me destacar como bom aluno desde os tempos do primário, no Grupo Júlia Kubitschek.

Cursando o ginasial, no Colégio Tiradentes, fui escolhido entre os melhores alunos para prestar a seleção para um estágio na condição de “Menor Aprendiz de Serviços Gerais” no Banco do Brasil. Consegui uma das vagas e dessa forma, trabalhando, pude custear meus estudos no curso científico do Colégio Diamantinense, concluído em 1978, ano em que acumulei também os serviços do Tiro de Guerra.

Ao terminar o científico, tentei o vestibular para Engenharia na UFMG e perdi, na primeira etapa, por 4 pontos. Logo no início do ano seguinte, prestei o concurso para os quadros do Banco do Brasil e consegui me ingressar naquela instituição como funcionário efetivo, situação que tive de agarrar com unhas e dentes, em razão da situação econômica estreita de minha família.

Dessa feita, pude custear meus estudos na antiga Faculdade de Filosofia e Letras, onde me graduei em Língua Portuguesa. A partir daí, passei a ler com mais freqüência. Não fiz pós-graduação, considerando que naquela época nem monografia de final de curso era exigida. Logo que me formei, lecionei apenas dois anos, mas optei por continuar minha carreira de bancário.

Deixei a carreira bancária em 1995, quando decidi aderir ao primeiro PDV – Plano de Demissão Voluntária. Morava nessa época em Belo Horizonte. Voltei para Diamantina em 2000, quando iniciei meu trabalho de pesquisa da historiografia local, no qual estou debruçado até os dias atuais. Em síntese, é isso!

 

Passadiço Virtual: Você tem uma forte relação com a história, a cultura e a música de Diamantina. Esteve envolvido diretamente em interessantes movimentos e manifestações culturais da cidade, tais como o “Projeto Arte no Beco”, o “Grupo de Incentivo ao Escritor Diamantinense”, mais recentemente o show “Jobiniando” e outros. Como essa relação foi construída? Você poderia falar um pouco sobre essas experiências? Quais os frutos e perspectivas desses movimentos?

Wander: Avalio que o começo de tudo está realmente na música. Convivi muito com meu avô materno, que pertencia à Banda de Música do 3º Batalhão, de quem talvez tenha herdado um pouco de sua musicalidade. A família de meu pai também sempre foi muito festiva e cantante. Eu gostava de dormir escutando as rádios do Rio de Janeiro e, por essa razão, aprendi um repertório vastíssimo de sambas.

Logo que me tornei funcionário efetivo do Banco do Brasil, já podia pagar minha cerveja, então comecei freqüentar o Bar Chafariz, onde os seresteiros da “velha guarda” tocavam todas as noites. Eu já tocava um pouquinho de violão, pois tinha uma vontade imensa de me acompanhar cantando sambas. Os seresteiros eram muito sistemáticos com a questão musical, mas vários dentre eles, como Boanerges Meira, Raimundo Proença e Paulo Messias, tinham sido contemporâneos do meu avô na Banda de Música do 3º Batalhão, então aceitaram minha companhia com satisfação, por ser neto do antigo amigo e companheiro, já falecido. Interessante que no princípio eles afinavam o violão para mim e não brigavam comigo quando eu errava o acorde. O Expedito Silvério da Silva, até hoje, o tenho como um verdadeiro pai.

Ao ser aceito naquele meio, adquiri confiança e comecei cantar também. Como eu cantava relativamente bem, fui adotado por todo o grupo de seresteiros rapidamente. Recebi influência de diversos violonistas, que não cabe aqui citá-los, mas que foram amigos marcantes na minha vida. Contudo, quando achei que já estava tocando violão bem, apareceram dois amigos maravilhosos, que mudaram o rumo das coisas: José de Jesus Melo, o grande “mestre Gaguinho” e Luciano Francisco Guedes, irmão caçula de Wanderlei Guedes.

Esses dois músicos faziam uma harmonia sensacional, pois acompanhavam com posições dissonantes, como eu nunca havia visto antes, e aí percebi que realmente eu não tocava patavina de violão. No embalo da música tocada pelos dois, fui apresentado a Chico Buarque, Edu Lobo, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Francis Hime, Paulo César Pinheiro, Eduardo Gudin etc. Descortinou-se nesse instante para mim o mundo da poesia, a grande poesia que dá um sentido diferenciado à vida.

Convivendo nesse ambiente na noite, terminei por desenvolver uma amizade vigorosa com Antônio Rodrigues Filho, conhecido como “Tunicão”, um homem exemplar, trompetista maravilhoso, músico de altíssima competência! Ele gostava de minha voz e me introduziu como cantor nos grandes bailes realizados em Diamantina naquele tempo.

Por esse conjunto de coisas, a partir do princípio da década de 1980, participei de quase tudo relacionado à cultura em Diamantina. Para se ter uma idéia, participei ativamente da formação das batucadas no carnaval diamantinense. Puxava samba para a Bartucada desde o início, antes mesmo do meu amigo “Barracão” assumir o vocal. Puxava samba para os Becudus do Motta, primeira batucada que se organizou com aparelhagem de som na cidade. O trabalho de colocar a Bat Caverna na rua para o carnaval de 1993 foi realizado no meu apartamento em Belo Horizonte, junto com amigos sensacionais, dos quais cito Andrezinho Reis, Edwane Fabrizio, Henrique Ceolin e Frederico Couto. Em 1997, ainda morando em Belo Horizonte, desenvolvi o Projeto Peraltas, junto com a “18 Comunicação e Marketing”, para criar outra alternativa para o carnaval em Diamantina. Depois, vários acontecimentos me aborreceram muito e me afastei de tudo.

Especificamente sobre o Grupo de Incentivo ao Escritor Diamantinense – GIED e o Projeto Arte no Beco, já está pronto um documento histórico intitulado “Origens do GIED”, que traz parte dessa história e, em breve, será entregue oficialmente à atual diretoria do Grupo, ficando disponível para publicação e para a pesquisa.

Quanto às perspectivas de continuidade dos movimentos culturais em Diamantina, confesso que, por vezes, bate uma desesperança frente a alguns absurdos que a gente vê acontecendo por aí. Por outro lado, quando vejo diversos jovens tocando samba, e muito bem por sinal, sinto uma satisfação interior grande! Não sou de ficar comentando com as pessoas, mas falo comigo mesmo, para o meu coração: Valeu a pena tudo, a semente do samba não murchou, está aí, bem viva!

Vendo artistas como Marcelo Brant, Marcial Ávila, e outros mais, que de certa forma vivenciaram aquele período da Arte no Beco, não há como achar que todo um movimento cultural passado que ajudamos construir foi em vão! Por seu esforço próprio, superando diversas barreiras, esses artistas estão firmes aí, reconhecidos internacionalmente e com obras maravilhosas.

A gente percebe também muitos jovens de raro talento, em diversas áreas da cultura! Isso nos dá a certeza de que é possível se fazerem as coisas da forma correta. No meu entendimento, o primordial que falta, na maioria das vezes, é vontade política e ações de apoio da iniciativa privada. O “Jobiniando” foi um exemplo dessa possibilidade que digo de se aproveitarem de maneira correta os potenciais. Uma noite inesquecível, em que eu era o vovô, rodeado só de garotos talentosíssimos, que me deram uma alegria sem medida, quando aceitaram que eu tocasse junto com eles, mesmo com minhas limitações, mesmo sabendo que eu não leio partitura. Isso toca no mais profundo da gente e nos leva a essas reflexões.

 

Passadiço Virtual: Desde 1999, Diamantina é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade. Você acompanhou de perto esse processo de reconhecimento e viu a cidade passar por algumas mudanças nos últimos anos. Qual a sua percepção sobre a forma com que a cidade tem tratado e se apropriado desse título?

Wander: Na verdade, com o devido respeito Fernando, sempre que se fala em Diamantina como Patrimônio da Humanidade, há uma tendência em se reportar apenas ao decisivo dia 01 de dezembro de 1999. Há um sentido nisso, pois somente a última fase do processo foi realmente divulgada de forma ampla pelo Jornal Hoje em Dia.

A idéia inicial, contudo, saiu da cabeça do músico Ivo Pereira da Silva, participante ativo do GIED, do movimento Arte no Beco e outros mais. Vejamos os fatos: Em 21 de setembro de 1989 foi promulgada a Constituição do estado de Minas Gerais, data a partir da qual, Diamantina, como todos os municípios mineiros, teria 180 dias para elaborar sua Lei Orgânica Municipal. Naquela época, a Câmara Municipal confeccionou um formulário próprio para serem protocoladas as “Sugestões para a Constituinte Diamantinense”. Reunidos membros do GIED, do Grupo de Teatro Versus, do Grupo Cultural Zé de Lota e do Projeto Arte no Beco, foram definidas doze propostas e encaminhadas à “Comissão de Relações Externas” instituída pela Câmara Municipal. Grande parte dos temas propostos foi de autoria de Ivo Pereira, então Diretor de Turismo da antiga Fundação Cultural e Artística de Diamantina – FUNCARD.

Depois, antes da aprovação da Lei Orgânica, Ivo Pereira ainda repassou, individualmente, em fevereiro de 1990, várias outras sugestões para a Câmara. Dentre elas, foi encaminhada ao vereador Paulo Barbosa Ribeiro, uma sugestão que propunha a inscrição de Diamantina na Lista de Patrimônios Mundiais junto à UNESCO. Foi totalmente ignorada naquele momento pela Câmara Municipal.

Somente em 16 de abril de 1993 essa ação foi levada a efeito, pelo próprio Ivo Pereira, ocupando agora o cargo de superintendente da FUNCARD, que oficializou o pedido junto à UNESCO. Todos esses documentos que cito existem e serão repassados à direção do GIED, junto com o histórico a que me referi anteriormente. De 1993 em diante, o processo passou por duas gestões municipais consecutivas, mas historicamente rivais e antagônicas. Por isso, muitos outros nomes imprescindíveis na construção desse processo, como o Sr. Laércio Lages, por exemplo, foram estrategicamente apagados da história. Um viés político acabou prevalecendo e esse ranço, no meu entendimento, continua se sobrepondo a outras tantas questões importantes, sendo o grande vilão que tem emperrado a boa condução desse título.

O título patrimonial nos oferece condições diferenciadas em relação a outras cidades para buscar verbas junto aos governos estadual e federal e junto a bancos internacionais. Mas sem projetos inteligentes, sem planejamentos, com pessoas sem a competência adequada ocupando cargos estratégicos, cria-se uma dificuldade enorme para se conseguir recursos, ou para aplicá-los de forma coerente, quando às vezes chegam de bandeja em Diamantina, via projetos desenvolvidos pelos governos estadual e federal. E pior, essas ações, na maioria esmagadora das poucas vezes que acontecem, são voltadas apenas para alimentar grupos já pré-determinados, daí a sensação que fica para a população mais simples de que a aquisição desse título foi um grande mal que se projetou para Diamantina. A população dos bairros periféricos se sente como se tivesse sido expurgada de sua própria cidade.

 

Passadiço Virtual: O seu livro La Mezza Notte (2003), escrito em parceria com Antônio Carlos Fernandes, é leitura obrigatória para entender um pouco sobre a origem da musicalidade de Diamantina e da Vesperata. Além disso, vocês alertaram sobre o processo de perda de identidade dessa manifestação cultural. Afinal, como você vê a Vesperata hoje? Ela ainda representa a musicalidade diamantinense ou é apenas mais um produto comercial turístico?

Wander: Inicialmente tenho o dever de agradecer o elogio dispensado ao livro e informar também que a edição de 2003 aconteceu com muito sacrifício, apenas com o apoio da ACID, por intermédio de Juscelino Brasiliano Roque, na época seu presidente. Depois, sim, veio o apoio essencial da Universidade, por intermédio da professora Mireille São Geraldo dos Santos Souza, que conseguiu, junto ao Ministério da Educação, recursos para que eu pudesse fazer as viagens e alargar substancialmente a pesquisa, buscando informações em outros arquivos fora de Diamantina. A segunda edição saiu revista e ampliada em 2007 pela UFVJM, com um estudo mais profundo.

Por mais que você considera o La Mezza Notte leitura obrigatória, não é dessa forma que oficialmente Diamantina o trata. Há um trabalho velado e silencioso contra o livro na cidade, porque ele não se alinha aos interesses escusos, políticos e comerciais, que envolvem o evento turístico. Tanto é verdade, que a Vesperata acontece sem apresentação alguma, apesar da existência de um livro, construído com metodologia científica, que trata de sua historiografia. O compromisso do La Mezza Notte é retirar da gaveta do esquecimento os fatos que, estrategicamente, foram ali acondicionados e recolocá-los na gaveta da lembrança, fazendo uma viagem responsável dentro da memória cultural de Diamantina.  

Realmente já alertamos sobre isso: o perigo da perda de identidade ao se transformar um atrativo cultural em produto turístico, sem se levar em consideração sua qualidade e sua historiografia. As capistranas, por exemplo, foram projetadas em Ouro Preto e se instalaram em nossa cidade somente vinte anos depois. Contudo, Ouro Preto não cuidou de sua qualidade, nem de sua historiografia e, dessa forma, o nome capistrana ficou associado a Diamantina. Vinte anos na história são apenas como um pingo d’água num rio caudaloso.

Portanto, há uma lógica no que a gente vem tentando alertar: se Diamantina não cuidar carinhosamente da qualidade da Vesperata e insistir em ignorar sua historiografia, é muito possível sim que no futuro outras cidades façam o evento com mais competência e sensibilidade e terminem por passar uma borracha no que foi realizado até aqui.

Enquanto Diamantina oficialmente ignora nosso estudo, o livro La Mezza Notte está sendo fonte de sustentação da tese de doutorado intitulada “O Anjo da Meia Noite e as Vesperatas em Diamantina: tensões na produção de uma manifestação cultural”. A doutoranda é a professora Leila Amaral, do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília, que está desenvolvendo sua tese na Universidade da Beira Interior, com sede na cidade de Covilhã, em Portugal. A orientação do estudo está a cargo do professor catedrático, José Carlos Venâncio, em cujo parecer sobre o tema, registrou sua satisfação em receber e acompanhar uma tese que se alinha aos projetos da referida Universidade lusitana, voltados para o estudo, a preservação e a revitalização das manifestações culturais locais, para inseri-las nos roteiros turísticos da região da Beira-Interior.

Embora, há muito, já tenha resolvido lavar minhas mãos sobre esse assunto, volto a alertar que enquanto a preocupação primaz em Diamantina for a movimentação financeira em torno da Vesperata, e enquanto não se levar em consideração a necessidade da preservação e revitalização de seus valores artísticos, históricos e culturais, a tendência é continuar o processo vertiginoso de decadência que está acontecendo a olhos nus, para qualquer observador um pouquinho mais atento.

Quanto a Vesperara representar a essência da musicalidade diamantinense, penso que é impossível isso acontecer, enquanto profissionais liberais, donos de pousadas, donos de bares e restaurantes, políticos e “pitaqueiros” de toda ordem continuarem dando as cartas e protegendo a incompetência em nome do ganho financeiro momentâneo, convictos de que entendem mais de música do que os músicos qualificados que a cidade possui! Associada a isso está a inércia de várias instituições envolvidas, que não querem se posicionar, por razões que desconheço.

 

Passadiço Virtual: Nesse mesmo livro vocês destacam a riqueza e a tradição da musicalidade diamantinense desde Lobo de Mesquita, passando pelo maestro João Batista de Macedo, os grandes seresteiros até chegar na Vesperata. De que forma você vê essa musicalidade diamantinense hoje? Ela ainda resiste bravamente ou corre sérios perigos de perder sua identidade?

Wander: Para se responder essa pergunta, torna-se necessária uma pequena explanação sobre o processo que resultou na aquisição do título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Diamantina tinha que definir qual caminho a ser trilhado para justificar sua pretensão ao título. Deveria, pois, apresentar à UNESCO singularidades que, pelo grau elevado de seu valor, teriam que ser preservadas para o conhecimento das gerações futuras.

Dentre essas singularidades, como os elementos históricos e arquitetônicos apresentados, apresentou-se a música como o elemento cultural mais expressivo de origem européia, aqui disseminado, que deveria, portanto, ser preservado para o conhecimento das gerações pósteras. Os estudos do musicólogo alemão, Francisco Curt Lange, apontam para um ambiente musical de altíssima qualidade estabelecido no século XVIII no estado de Minas Gerais, sem precedentes na formação de todo o território americano. Os compositores mineiros daquele século superaram os compositores portugueses e são comparados aos grandes mestres europeus de seu tempo. Nesse contexto, Diamantina produziu um dos maiores expoentes dessa musicalidade mineira que foi José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita. Nos séculos seguintes, Diamantina continuou produzindo grandes compositores como João Batista de Macedo (maestro Piruruca), Antônio Ephygênio de Souza (maestro Paraguay) e o grande maestro Francisco Nunes.

Pois bem, quando se faz a opção, como regra para a Vesperata, por um repertório formado com tema sonoro para James Bond; New York, New York; balada americana e similares, mata-se a justificativa que enviamos para a UNESCO, que possibilitou nossa consagração como Patrimônio Cultural do Mundo.

Isso não quer dizer, contudo, que não se devem abrir exceções, ou que não se deve incluir o popular nas execuções. A questão é que temos um repertório doméstico vasto, de valor singular, que somente nós podemos oferecer ao mundo, basta verificar o acervo imenso de partituras do século XIX, ainda pouco explorado. Mesmo que se adentre o universo popular, há que se oferecer uma música rica em orquestração e harmonização, condigna com a qualidade do ambiente musical historicamente desenvolvido em nossa cidade. Aí, a coisa se complica, porque orquestrar e harmonizar com qualidade não é tarefa para quem simplesmente quer, é para quem tem conhecimento adequado e, principalmente, talento. Como se trabalhar com dissonância, com fuga, com polifonia, com contra ponto e outros tantos elementos ricos da harmonia sem a competência devida? Acontece que os músicos capacitados para vencer esse desafio estão, estrategicamente, alijados do processo. A conseqüência imediata é se perder a singularidade e se alojar na vala comum, ou seja, perda de identidade, com certeza! É isso que estamos vendo acontecer na Vesperata!

Outra coisa muito séria é a qualificação musical péssima em que chegou a Banda Mirim. Essa situação é grave, porque a partir de sua fundação, a referida Banda passou realmente a ser um local de formação de novos músicos, simultâneo ao Conservatório Lobo de Mesquita. E sobre essa perda de qualidade, não adianta tentarem mascarar os fatos, a razão está na saída de Roberto Manoel da Cruz e Kátia Mota, que eram os professores que realmente “pegavam o boi pelo chifre” nesse quesito da formação musical das crianças. Além do mais, o propósito de se criar a Banda Mirim foi oferecer “educação pela música”, num projeto de extensão da educação de meninos e meninas pertencentes a famílias carentes. Como funcionar esse propósito sem o desenvolvimento de um projeto político-pedagógico, sem um acompanhamento psicológico para crianças com problemas familiares de toda ordem? Esse conjunto de coisas gera má formação, em todos os aspectos.

A Orquestra Jovem, por exemplo, está sendo obrigada a trabalhar com a formação de músicos, quando o ideal seria que todos os músicos já chegassem ali num patamar satisfatório. Se houvesse um projeto bem planejado, poderia está ocorrendo uma interação entre a Banda Mirim e a Orquestra Sinfônica. O músico seria formado na Banda desde uma idade mínima definida, nos moldes de uma metodologia pré-estabelecida, transferindo-se dali para a Orquestra mais tarde, já dominando toda a formação básica necessária. Mas são outros os interesses que definem as regras. Há pouco tempo, chegamos a ver duas crianças tocando violino no meio da Banda Mirim, em eventos pelas ruas da cidade, sob um sol escaldante. Uma vergonha que expunha Diamantina ao ridículo, uma gafe de efeito avassalador para uma cidade com a história musical singular que construiu!

Com tudo isso, temos que reconhecer que há uma musicalidade natural inerente ao povo diamantinense! Não sei se é precipitado afirmar que essa aptidão generalizada é conseqüência direta do nosso passado musical ou emerge naturalmente de outros valores distintos, pois, realmente, não tenho elementos para explicar esse fenômeno! Mas o fato é que, já que Diamantina possuiu esse potencial, basta se primar pela maneira correta de lapidá-lo, para continuar qualificando cada vez mais essa geração nova de músicos de talento que existe na cidade, assim penso!

 

Passadiço Virtual: Por falar em Antônio Carlos Fernandes, o saudoso Toninho, parece-me que vocês tinham uma parceria muito forte e produtiva. Infelizmente, não o conheci, mas muitas pessoas falam com muito carinho e respeito por ele. Como era essa parceria? Toninho faz muita falta em Diamantina?

Wander: Toninho também era filho de família muito simples e venceu com muito trabalho e muita luta. Era um estudioso obstinado e dono de uma mente privilegiada. Possuía uma oratória espetacular, fluente e de fácil compreensão, conseguia prender a platéia como ninguém. No geral, um sujeito muito alegre, que não perdia tempo para soltar aquela risada folgazã, de toda altura.

Eu já possuía um contato com ele, pois fomos contemporâneos na antiga FAFIDIA, mas nossa parceria teve início somente em 2002. Meu banco de dados, iniciado em agosto de 2000 estava ficando imenso. Além disso, minha pesquisa, naquele momento, já trazia indícios de que a Vesperata era um evento tradicional da Banda de Música do 3º Batalhão, que havia sido interrompido em décadas anteriores. Terminei por levantar os nomes de inúmeros músicos antigos da Banda do Batalhão que ainda estavam vivos e me deram seu testemunho, como também, localizei a partitura da música La Mezza Notte, que tinha sido registrada como perdida em documento cartorial.

Como eu não morava em Diamantina na década de 1990, não fiz parte da “Comissão por Diamantina Patrimônio da Humanidade” oficializada na noite de 27 de março de 1997, em cuja cerimônia Toninho foi o orador oficial. Depois, a partir das ponderações do Monsenhor Walter Almeida, foi Toninho quem escreveu o “Ensaio Histórico Estratégico” sobre o qual o IPHAN deveria formatar o dossiê a ser enviado à UNESCO, com a justificativa para aquisição do título.

Portanto, para escrever o livro La Mezza Notte, era condição sine qua non juntar o material de minha pesquisa com as informações que Toninho possuía sobre o processo final da campanha patrimonial. Mas tudo isso não podia ser escrito fora de um contexto histórico, por essa razão tivemos que fazer muitos estudos específicos, durante a construção do livro.

Essa experiência foi muito produtiva para nós dois. De minha parte, como não sou formado em História, aprendi com Toninho a metodologia de construção do documento historiográfico. Concomitante a esse trabalho, comprei livros e estudei bastante a metodologia da pesquisa, o que me ajudou muito a organizar meu banco de dados.

Quanto à questão da escrita, é curioso, porque apesar de sermos dois sistemáticos nesse aspecto, entrávamos um no texto do outro tranquilamente, sem maiores problemas, quando era para melhorar a frase e a compreensão da informação. Outras vezes, escrevíamos o texto juntos, varávamos a madrugada escrevendo. Aí era muito interessante também, porque com o tempo, quando um começava o raciocino para construção da frase, o outro rapidamente assimilava e já completava o texto, muitas vezes de forma incontinenti. Depois, descobrimos que a razão da nossa escrita ser bastante parelha estava na matriz do seu aprendizado: o professor Hermes Pimenta Werneck Machado, nosso mestre no Colégio Diamantinense, a quem eternamente somos agradecidos.

Quando Toninho faleceu, não pude me fazer presente à missa de 7º dia, pois tive que viajar. Então deixei um texto escrito para ele, no qual fiz uma alusão à música “Vai Passar”, de Chico Buarque de Holanda, fechando com o seguinte comentário:

É muito duro ter que lhe informar, companheiro, assim de supetão! A cidade não compreendeu ainda o que representa a sua partida! Diamantina, qual pátria-mãe tão distraída, dorme o seu sono habitual profundo, um sono com pequenos sonhos desbotados, quase letal! Um sono preguiçoso, que deixou passar em branco, ano passado, o centenário do Professor Aires da Matta Machado Filho. Ou que deixou passar em branco, em 2005, o bi-centenário de falecimento de Lobo de Mesquita. E por aí vai. Estou apenas lhe prevenindo, companheiro, para que você não se assuste, daí onde nos tiver observando!

Tenho a certeza de que Diamantina não parou para avaliar até hoje o que representou a partida de Toninho! O legado que ele deixou não gera dinheiro rápido, então é como se nada valesse!

 

Passadiço Virtual: Você vem trabalhando em uma pesquisa sobre a passagem de João Gilberto por Diamantina na década de 50, antes do sucesso da Bossa Nova. O que você pode nos adiantar sobre esse trabalho? Como anda o processo de pesquisa? Você realmente acredita que Diamantina influenciou de alguma forma o processo de criação da Bossa Nova?

Wander: Comecei esse trabalho em agosto de 2000. Naquele momento a motivação inicial era simplesmente desvendar a passagem de João Gilberto por Diamantina. Eu achava que levantar e publicar essa história seria de uma importância imensa para nossa cidade, pois a Bossa Nova ainda é um movimento musical de fama mundial. Identifiquei algumas pessoas que haviam convivido com ele em sua estada por aqui e fui à luta. Devagar, outros tantos nomes foram surgindo.

Percebi que ele se aproximou de pessoas que conviviam em grupos totalmente distintos aqui na cidade. Mas com seu jeito bastante reservado, muitas pessoas que conviveram com João Gilberto não sabiam de outras pessoas que mantiveram com ele a mesma relação, ou até mais próxima, em algumas situações. Por exemplo, essa história de que a Bossa Nova foi desenvolvida num banheiro é meio fantasiosa, mas, ao mesmo tempo, ótima para a mídia. Ninguém, mesmo que queira, consegue permanecer o tempo todo ocupando o banheiro de uma casa onde outras tantas pessoas moram. João Gilberto passou a maior parte do tempo, em que se debruçou no violão para desenvolver a nova batida, no seu pequeno quarto, ao fundo da casa. A questão do banheiro é que ali ele podia se escutar, pois o som do violão e de sua voz reverberava de forma mais intensa. Então, quando era possível, ele utilizava aquele ambiente com vistas a aperfeiçoar o treinamento. Somente a um amigo foi permitido presenciar esses momentos raros ali dentro.

Por estarem ligadas a grupos sociais diferentes aqui em Diamantina, com valores gerais distintos, as pessoas assimilaram o trabalho de João Gilberto com percepções diferentes. Isso me fez compreender rapidamente que se eu não contextualizasse essas informações, ficaria difícil a compreensão de muitos pontos, principalmente para o leitor que não fosse diamantinense. Assim, houve a necessidade de se responder primeiramente a uma pergunta que não se calava: Quais eram os valores sócio-econômicos e políticos, costumes e tradições da Diamantina da década de 1950? Como não há uma historiografia editada oficialmente do século XX da cidade, avoquei a tarefa de construir parte desse cenário. Aí a pesquisa tomou uma dimensão muito grande.

A Bossa Nova surgiu da junção de três elementos renovados na música popular que se produzia até então no país: a renovação harmônico-melódica, a renovação da linguagem e a renovação do ritmo. Ao avançar na pesquisa, descobri que a cultura de Minas Gerais e, mais especificamente, a cultura de Diamantina contribuíram de forma consistente para que essas inovações fossem realizadas no Rio de Janeiro, que na verdade funciona como um centro catalisador da cultura nacional. Dessa forma, o que já havia tomado grande dimensão ficou maior ainda.

A parte da pesquisa que se refere ao João Gilberto está praticamente pronta. Em relação ao item renovação do ritmo, o que Diamantina ofereceu ao João Gilberto foi apenas sossego e reclusão para desenvolver algo que ele já estava determinado a fazer. Pelo somatório de entrevistas das pessoas que aqui conviveram com ele, a gente pode afirmar com segurança que João Gilberto já sabia o que estava fazendo e onde queria chegar. Quanto aos outros aspectos, tenho que aprofundar ainda mais meus estudos sobre o folclore mineiro e diamantinense, sobre a musicalidade aqui desenvolvida, e como tudo isso ajudou a alterar o ambiente da música popular no Rio de Janeiro. Para tanto, tenho que complementar a pesquisa, porque não posso publicar um estudo acanhado, frente à dimensão que o projeto tomou. Ainda falta visitar inúmeros arquivos em outras cidades, mas como não tenho patrocínio, nem apoio institucional, a pesquisa vem se arrastando de forma morosa.

 

Passadiço Virtual: Parece-me que você também pretende discutir nessa pesquisa a importância de JK e algumas coincidências históricas de seu período de governo que possibilitaram o surgimento da Bossa Nova e de outras manifestações culturais brasileiras.

Wander: Com certeza, o presidente JK foi de fundamental importância nesse processo de renovação da cultura nacional. Inicio essa discussão com uma questão imponderável. No dia que JK assumiu a presidência da República, seus dois primeiros atos foram a suspensão da censura à imprensa, às rádios e televisões e o encaminhamento de uma mensagem ao Congresso Nacional abolindo o estado de sítio em que recebera o país. Pergunta-se: Será que a reboque de um regime político autoritário e repressor, com a imprensa amordaçada, as artes em geral teriam avançado naquele tempo, da forma como avançaram no governo democrático do presidente Juscelino Kubitschek? Seria prudente afirmar que a evolução que aconteceu nos mais variados segmentos do país foi conseqüência direta da opção pelo estado democrático como prerrogativa de governo?

Imponderáveis à parte, a verdade é que em seu governo evolveram as letras, a arquitetura, o urbanismo, a pintura, a informação, a pesquisa em diversos campos da ciência. Explodiu o cinema novo. Ocorreu um desenvolvimento que impulsionou a produção de riquezas nacionais. No esporte, Adhemar Ferreira da Silva foi medalha de ouro nos jogos olímpicos da Austrália; O futebol brasileiro sagrou-se campeão mundial na copa da Suécia; Maria Esther Andion Bueno alcançou o posto de tenista nº. 1 do mundo; Éder Jofre conquistou o título mundial de boxe.  Exatamente nesse cenário de esperança e de credibilidade nas potencialidades nacionais, emergiu o mais importante movimento musical brasileiro, reconhecido pelo mundo: a Bossa Nova.

Contudo, a preocupação de Juscelino Kubitschek em primar pelo estado democrático no Brasil não se deu de forma instantânea naquele primeiro dia de seu mandato presidencial. Essa característica começou a ser amadurecida a partir de sua primeira campanha política, na qual teve que enfrentar o ambiente político diamantinense, arraigado em mais de 200 anos de tradição de uma política opressora e hermeticamente fechada.

O que se pretende trazer à luz, pois, é apenas o viés diamantinense do JK, cujas peculiaridades ajudaram a formar a base de seu caráter prioritariamente democrático. Consequentemente, novos imponderáveis, presentes na relação dele com Diamantina, serão identificados, alguns dos quais ajudaram a delinear inúmeras ações que caracterizaram seu governo do estado de Minas Gerais e da nação brasileira. O que escreverei sobre JK está longe de se revestir do caráter de elaboração de uma teoria nova, até porque tenho consciência de que cientistas políticos, economistas, historiadores, jornalistas, intelectuais, críticos, procedentes dos segmentos sociais mais variados, dedicaram tempo precioso de seus estudos à tarefa de tentar escandir Juscelino Kubitschek de Oliveira.

 

Passadiço Virtual: Recentemente li um texto de sua autoria chamado “II Manifesto do Beco”. Acho que ali você consegue sintetizar muito bem um pouco da história de Diamantina. Além disso, você também nos fala sobre a necessidade de resgatar “os inúmeros valores culturais da cidade, emergentes no teatro, na dança, nas artes plásticas, na música, na literatura”. Você concorda que o manifesto ainda está atualíssimo?  Como mostrar e resgatar essa riqueza artística e cultura?

Wander: Mais uma vez, lhe agradeço primeiramente pelo elogio. Ali é poesia. Então é possível certo exagero na utilização da adjetivação e das figuras de linguagem, o que acaba gerando, com freqüência, o chamado juízo de valor. Exatamente por essa razão, a força maior da mensagem crítica inserta naquele Manifesto está nas entrelinhas. No texto histórico há que se ter um constante cuidado para se evitar a construção do juízo de valor. Isso não quer dizer que o II Manifesto não traz consigo muitas informações sobre a história de Diamantina, ao contrário, a partir das informações historiográficas que possuo da cidade é que construí o texto.

A idéia de se escrever em forma de manifesto surgiu em 1989, quando sofríamos uma perseguição ferrenha de alguns setores da sociedade local, contrários à realização do Projeto Arte no Beco. Essa história está registrada no documento “Origens do GIED” a que já me referi. Então, naquele ano, Hugo Leonardo escreveu o “I Manifesto do Beco”, parafraseando o poeta Thiago de Mello, durante uma noite daquelas em um dos bares do Beco do Motta. Uma maneira que ele encontrou naquele tempo para deixar registrada toda a nossa indignação.

O II Manifesto foi escrito 14 anos depois, com olhos agora mais maduros, com tempo para sua construção e sem aquela pressão pela qual estávamos passando em 1989. Ivo Pereira, ao dar continuidade ao projeto “Caminhos da Poesia” durante o 35º Festival de Inverno da UFMG, realizado em Diamantina em 2003, solicitou-me a construção de um Manifesto. Resolvi fazê-lo nos moldes do anterior. Para escrevê-lo, além de utilizar as informações da história de Diamantina, utilizei elementos da poesia de Carlos Drummond de Andrade, do próprio Thiago de Mello para respeitar a linha de construção do I Manifesto, de Chico Buarque de Holanda e de Castro Alves.

Em um dos versos, registrei que passados vinte anos da revitalização do Beco do Motta no início da década de 1980, Diamantina continuava a mesma, indiferente ao movimento cultural que havíamos construído naquele espaço, obcecada pela “cartilha” nociva do garimpo, sem muita diferença do período colonial em que o contrabando é que ditava as ordens no Tijuco. Nunca houve esse negócio de que aqui era como “um estado dentro de outro estado”. No dito popular, isso é uma bela “conversa para boi dormir”. Aqui o que definia as relações e a cadeia de poder era o contrabando. Você identificou muito bem, o II Manifesto ainda está atualíssimo sim. Inclusive, por vezes, brinco em algumas rodas de bate papo, dizendo que até hoje parece que não acabou o efeito da praga lançada pelo pajé Pyrakassu, quando os índios puris foram exterminados no Tijuco!

Quanto aos valores emergentes a que me refiro, é bastante claro que não existe na cidade uma política de cultura bem definida, voltada para o melhor aproveitamento possível de todo o potencial inerente ao material humano existente aqui em profusão. Como não aproveitar a experiência de um Evandro Passos, prêmio UNESCO, referência internacional, que construiu sua tese de mestrado a partir de suas experiências com a utilização da dança para sociabilizar jovens da periferia de Belo Horizonte? Ainda a título de ilustração, somente este ano, Marcial Ávila, artista plástico que leva com seu trabalho o nome de Diamantina constantemente para a Europa, conseguiu expor suas telas em sua cidade natal, por empenho e mérito advindos da sensibilidade de Gracíola Rodrigues, atual diretora do Teatro Santa Isabel.

 

Passadiço Virtual: Já que falamos em Beco do Motta, muito me intriga o descaso com esse importante espaço da cidade. Se Minas é o Beco do Motta, se o Brasil é o Beco do Motta, por que Diamantina não é o Beco do Motta? Em minha opinião, diante de sua importância, sentidos e significados para Diamantina, aquele espaço deveria ser mais valorizado. Você concorda com essa perspectiva?

Wander: Fantástica essa colocação: “Minas é o Beco do Motta, Brasil é o Beco do Motta, Mundo é o Beco do Motta, mas Diamantina não é o Beco do Motta”. Isso define tudo! A minha resposta está nas entrelinhas do II Manifesto do Beco. Quando o documento “Origens do GIED” vier à tona, virá com a linguagem histórica, portanto direta, sem a quantidade excessiva de entrelinhas contidas no II Manifesto. Por intermédio desse documento, as pessoas terão oportunidade de tomar conhecimento de muitos fatos que se deram no Beco do Motta na década de 1980 e poderão retirar suas próprias conclusões e formular suas respostas. Talvez na própria história do Beco do Motta, uma cicatriz social aberta e exposta no coração pulsante de Diamantina, pode estar a resposta da razão pela qual ele fica ali moribundo, anos a fio, apesar de toda riqueza “latente em seu calçamento pé-de-moleque”.

 

Passadiço Virtual: O que você espera do poder executivo e legislativo municipal em relação às políticas públicas na área cultural de Diamantina? Que propostas você gostaria de ouvir de nossos candidatos a prefeito e vereador nessas eleições?

Wander: Estando a pouco mais de um mês das eleições municipais, penso que não é o momento correto para me aprofundar em questões ácidas. Não porque não tenha posições e opiniões claras e bem definidas sobre o assunto, mas para não criar suscetibilidades indigestas neste momento agudo das eleições. Contudo, não posso me esquivar da emissão de uma opinião geral sobre o assunto.

Quanto ao poder legislativo, há muito não temos uma Câmara formada em sua maioria por pessoas capacitadas para exercer essa função, salvo algumas exceções raras. Para este pleito, vejo pouquíssimos candidatos preparados para exercer a vereança, com o agravante de que candidatos com esse perfil normalmente não conseguem vencer as eleições, visto que, de longa data, há um costume arraigado no povo de votar em quem lhe alimenta com favores escusos de toda ordem. Portanto, com certeza, será formada uma Câmara fraquíssima, indigna da importância de Diamantina para Minas Gerais, para o Brasil e para o mundo.

Quanto ao poder executivo, há questões ácidas, que como já disse, penso que não é o momento adequado para entrar em seu universo e destrinçar o perfil individual dos candidatos. Porém, no âmbito global, há uma prática sistemática de se utilizar a pasta da Cultura, como um lugar de refugo, para acomodar os apadrinhados políticos. Com essa prática, forma-se uma equipe totalmente desqualificada para a elaboração de planejamentos e de projetos. Ora, Diamantina é Patrimônio Cultural da Humanidade porque é uma cidade singular, portanto essa secretaria não pode funcionar com os mesmos vícios de uma cidade qualquer. Em cidades como Diamantina a cultura é uma das principais secretarias, se não for a principal, pois é por ela que obrigatoriamente têm que passar todos os projetos que podem realmente fazer a diferença para a melhoria de vida de toda a comunidade. Por outro lado, como Diamantina possui um orçamento municipal curto, em vista de seu perfil de cidade prestadora de serviços, sem grandes indústrias e outros segmentos que poderiam engordar seu orçamento, a coisa fica realmente complicada quando se depende de uma equipe desqualificada para se buscar recursos, também com algumas raras exceções, diga-se de passagem.

Para deixar bem clara minha opinião sobre essa pergunta, vou utilizar uma máxima escrita por Bhagwan Rajneesh, um guru indiano que viveu nos Estados Unidos: “Enquanto existe a esperança, a infelicidade continua”. Há muito decidi que não quero ser infeliz, por isso nada espero das candidaturas majoritárias postas neste momento, pois não acredito nelas por uma série de razões que, como já disse, achei por bem não nomeá-las, considerando a prudência que o momento exige. Aí, posso estar parecendo controverso, por ter falado de esperança na resposta de uma pergunta anterior. Penso que a esperança está na Universidade, a seta pontiaguda que vem quebrando devagar um sistema político cruel, cuja idade já atingiu 300 anos.

 

Passadiço Virtual: Wander, muito obrigado pela sua disponibilidade em contribuir com o nosso blog e pela generosidade em compartilhar conosco o seu conhecimento.

Wander: Agradeço imensamente o espaço que o Passadiço Virtual abriu para o meu trabalho por intermédio desta entrevista. Aproveito a oportunidade para parabenizá-lo Fernando Gripp, pela seriedade com que você trabalha esse blog, que a cada dia vem se tornando uma referência de informação sobre Diamantina, por seu caráter fidedigno, independente e imparcial. Que Deus lhe dê forças e sabedoria para seguir adiante.

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